Volto a Veneza 38 anos depois da minha primeira visita. Em 1980, saltei do trem por volta das 5 horas de uma madrugada de outono, desci as escadarias da estação Santa Lucia e, diante de uma lua cheia fabulosa, experimentei o ruído das águas batendo às margens do Canal Grande. Só quando amanheceu é que tive noção do que realmente era aquilo.
Passei um dia inteiro perambulando pela cidade e parti para Roma tão zonzo quanto cheguei. Em 2018, desembarco do avião no aeroporto Marco Polo e, em menos de meia hora, estou hospedado às margens do rio San Felice. Em duas semanas, esquadrinhei a cidade inteira e daqui para a frente pretendo imiscuir-me ainda mais por suas travessinhas.
Aproveito para estudar e compreender um pouco melhor esse pedaço de mundo improvável, construído sobre o terreno pantanoso de 118 ilhotas que, de 1951 para cá, já perdeu dois terços de sua população, atualmente em 55 mil habitantes.
Hoje, a evasão de moradores é da ordem de mil por ano. Mesmo período em que é visitada por 30 milhões de turistas. Ou seja, torna-se cada vez menos um habitat e cada vez mais um produto. Contribui para essa constatação a disputa de grandes grupos econômicos por alguns de seus edifícios mais importantes, como a antiga sede dos correios convertida em shopping, uma obra de restauração e preservação magnífica, por sinal.
Há quem diga que, por conta dessa excessiva mercantilização da cidade, se faz necessário caminhar para além da Piazza de San Marco e da Ponte do Rialto para encontrar a “verdadeira Veneza”. Foi o que fiz num desses dias ensolarados e de temperatura extremamente agradável da primavera veneziana.
Saí do Cannaregio e, evitando a muvuca de San Marco, fui à esquerda em direção ao Castello, atravessei o Jardim Público, indo parar nas ilhas de Santa Elena e de São Pedro. No percurso, uma Veneza muito sossegada, moradores cuidando da vida, crianças saindo da escola, as mães fazendo uma paradinha no parque infantil antes do almoço.
Não senti em momento algum a tal fobia aos turistas. Pelo contrário, de um modo geral esbarrei na simpatia das pessoas. Mas é fato que Veneza tem sofrido e não é pouco. Só este ano os canais já secaram e houve nevasca e inundações. Além do que o excesso de turistas obrigou as autoridades a regularem o tráfego de pedestres, como se faz com os automóveis nas cidades normais, o que ocorreu no feriadão de primeiro de maio.
Cheguei no dia 2 e apenas fiquei sabendo do fato. Veneza é, a princípio, uma cidade cara e faz sentido, considerando suas peculiaridades. Mas para quem alugou um apartamento pelo Airbnb e faz compras no supermercado para comer em casa, torna-se bem razoável, em termos de custo/benefício. Principalmente se comparamos com São Paulo e se tratando do consumo de produtos nacionais: o azeite, a pasta, o risoto, a mozzarella, o procciutto, o vinho… Acredito que é muito mais interessante comer bem em casa do que arriscar um “menu turístico” na rua, já que comer bem na rua custa, de fato, bastante caro.
Melhor deixar as extravagâncias para uns drinques no Florian ou no Harry, o que faz muito mais sentido.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)
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