Chame-me de avô. Finalmente descobri para que serve a vida: para ser avô. É mais que pai (não sei direito como é ser mãe), mais do que qualquer outra coisa que conheço. A gente faz muita coisa desde que se percebe, e, a cada vez que algo acontece que traz felicidade, vem sempre a sensação de que valeu a pena viver. Mas é só quando uma criança de parcos anos se ilumina ao te ver, sorri extasiada e exclama “vovôooo!” que felicidade ganha outra dimensão. Filhos, é uma delícia tê-los, mas há sempre uma responsabilidade a diminuir a fruição do gozo, pois há que ensinar, proteger, formar e manter. Neto não, neta não. Um avô não tem nenhuma obrigação e sobre ele não há nenhuma expectativa. É um ser equipamento de prazer, de alegria. Espera-se pouco dele. Apenas ausência de horários, permanente disposição e uma falha vocabular. A absoluta impossibilidade de dizer não.

Avô estraga tudo, deixa quebrar, arruína celulares, tabletops e velhos bibelôs de família, em troca de um sorriso. E cozinha pão de queijo, amassa cenourinha, corta maçã, verifica a água do banho e não se importa em deixar inundar o banheiro ou o quarto. Aliás, banho é coisa séria. Seriíssima. Patinhar na água é parte integrante da preparação para a vida, pois é um misto de exercício, treinamento de coordenação motora e primeiras noções de física. O fator higiênico do banho, deixe para os pais, preocupados com miuçalhas.

Banho para um avô é apenas uma coisa lúdica, uma volta à paz uterina com a vantagem de poder fazer uma enorme farra. Dentre as habilidades de ser avô está o fato de ter um vocabulário bastante elástico: gluglu, nhamenhame, miau, cocó, au-au e outras criações que mudam muito de criança para criança. Por experiência própria, dou um conselho a todos os avós iniciantes: cuidado com as palavras ditas de baixo
calão. Uma criança de dois anos é incapaz de dizer corretamente palavras simples como água, comida, sapato, mesa e dormir. Mas é capaz de repetir putaqueopariu, caralho ou merda com a maior clareza. Portanto, treine xingar cadeiras de fascistas, cantos de mesa de reacionários, degraus escondidos de neoliberais. Não os mande tomar no olho do cu, por mais que mereçam. Não é nada agradável ver aquele encanto de criança que você ama acima de tudo, sugerindo à vizinha esse tipo de sexo não ortodoxo.

E o que é pior: quanto maior o espanto, mais essas criaturinhas perseguidoras de sucesso (como todos nós) repetem. Se fizer cara feia, então, pode ter certeza que no primeiro restaurante que o anjinho deixar cair uma colher vai ser acompanhada de um sonoro e irretorquível “caralho!”. Por isso, o psicoterapeuta infantil Lula Vieira recomenda: nada de palavrões. Por mais que isso seja difícil. Ser avô (ser avó também é lindo, mas minhas netas são netas de escritora e ela sabe descrever até melhor do que eu o que significa essa dupla maternidade), bem, eu dizia que ser avô também é ter saco. Muito saco. Mas muito saco mesmo. Só isso explica assistir, sem explodir, 50 vezes num único dia a Galinha Pintadinha ou a Turma do Planeta.

Ou mesmo a Anitta, pois criança é sobretudo eclética. Para falar a verdade, nem Sonata em Ré Maior resiste a 20 repetições, uma atrás da outra. Ser avô traz outra grande vantagem: a confraria entre amigos na mesma condição. Zuenir Ventura, Luiz Fernando Veríssimo, Marcelo Diniz, Zé Guilherme Vereza e muitos outros cidadãos da maior importância social, intelectual e cívica não sentem o menor pudor em repetir as gracinhas de netos e netas.

Escrevo esta coluna antes da Páscoa, pois a data de fechamento imposta a nós mortais pelas maravilhosas editoras da casa é draconiana. Mas eu nunca pensei que a minha inexaurível capacidade de ser ridículo chegasse ao ponto de procurar coelhos em lojas de animais, além de pintinhos amarelinhos. Aliás, eu telefonei para uma delas – Baba Cão, se não me engano – e quase ia perguntando para o rapaz que me atendeu se ele tinha pintinho. Parei antes de falar, embora eu tivesse certeza que ele ia mandar eu consultar minha mãe para saber o que ela achava. Felizmente consegui fazer um circunlóquio e descobri que, tal como uma amiga já tinha me alertado, ultimamente este artigo está em falta. Mas encomendei os tais pintinhos, que farão companhia às minhas cocós, meus miaus e os au-aus que tenho em casa.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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