O momento é propício para voltar a este que é um dos meus temas favoritos: o (bom) jornalismo, o que vale quanto pesa. Inspiram-me algumas notícias e, em especial, o recente artigo do Antonio Prata, Pague pela notícia, amigo, publicado na Folha. “Produzir rabanetes custa dinheiro. Produzir notícias, idem”, disparou ele, lindamente, em defesa daquilo que parece ter ficado em segundo plano nos anos (décadas?) pós-digitais, ou seja lá como convém chamar hoje o cenário bem mais líquido do que aquele descrito pelo saudoso pensador Zygmunt Bauman.
Quanto vale a notícia é algo que se perdeu de perspectiva em um ambiente inicialmente estranho à publicidade – ela, que sempre sustentou, em bases sólidas, a produção de conteúdo. O desejo de estar naquela terra de ninguém, que parecia imprescindível à sobrevivência de qualquer pessoa ou empresa, levou todos a um voo cego de encontro às redes, oferecendo gratuitamente no meio digital aquilo que sempre foi transação comercial no meio físico.
Mundos apartados, mundos que precisavam se fundir, se complementar, só que ninguém ainda entendia como, ou por quê. Ou para quê. Assim, o espaço digital foi rapidamente dominado por plataformas que nasceram digitais, que foram ditando as regras comerciais daquele novo plano. O jornalismo de qualidade foi sendo ofertado gratuitamente a quem tivesse um mouse, depois um iPad, e logo um smartphone.
Pouco a pouco, a ficha caiu: “Bom jornalismo vale mais do que bons rabanetes”. E cada vez mais vemos o bom jornalismo sendo valorizado, conteúdos sendo fechados mediante o pagamento de valores – inferiores aos do velho mundo analógico, é verdade, mas não se pode ter tudo, não é mesmo? O importante é que há modelos possíveis de sobrevivência nesta selva esparsa, de perdas e ganhos, em que a chamada “jornada do leitor” é híbrida e fragmentada, composta de diversas partes, como um quebra-cabeças que não se completa nunca.
No mundo digital, se informar é um processo gradual que nunca termina, conforme descreve o colunista Joel Pinheiro da Fonseca, que viveu e relatou, a convite da Folha, a experiência de uma semana inteira apenas se informando via veículos impressos. Desplugado durante sete dias, chegou a algumas conclusões: entre as perdas, houve a defasagem do tempo real, a estranha e anacrônica sensação de ler apenas no dia seguinte notícias comentadas por colegas no dia anterior. Junto com as notícias em tempo real pipocando a cada segundo nas telas, ele perdeu os memes, as piadas e os comentários que hoje fazem parte do universo da informação.
O ganho foi a descoberta da leitura organizada, sem distrações, e guiada pelos editores dos jornais e não os algoritmos das redes. Ter um tempo delimitado para se informar, e no resto do dia não mais pensar nisso, lhe deu mais paz de espírito, purificou sua mente estafada pelas redes. Mas para ele – e para as gerações que só conhecem o flutuante mundo digital -, há o momento inevitável de voltar, desta vez levando consigo uma injeção de senso crítico muito útil no retorno à navegação. E a certeza de que há ganho na leitura mais sossegada do impresso – como uma espécie de bússola para não se perder no infinito oceano digital.
O que me leva a fazer uma provocação, considerando que, em um futuro não tão distante, haverá somente pessoas que, como Joel, estarão habituadas ao oceano digital de notícias e, ao contrário dele, jamais terão tido a oportunidade de saborear, de um jeito mais sereno, o bom jornalismo. O que, afinal de contas, as grandes marcas de produção de conteúdo, muitas delas centenárias, que nasceram na era pré-digital, estão fazendo, afinal, para conquistar o leitor do futuro? Tenho alguns insights a esse respeito. To be continued, num próximo artigo.
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