Passava da meia-noite do domingo 12 de fevereiro e os fãs de The Walking Dead estavam sedentos pela estreia da segunda parte da sétima temporada, após mais de 30 horas da maratona da série na Fox.

Quando uma trilha de suspense, uma bota e um mundo pós-apocalíptico apareceram na tela, os fãs não tiveram dúvidas: era o novo episódio. Só que não. Nas imagens, um homem com sede imitava um zumbi para chegar a salvo a uma geladeira cheia de Coca-Cola.

Criado pelo Fox Lab, o núcleo de branded content da Fox Network Group, em parceria com a agência David, o filme de pouco mais de um minuto agradou e engajou os fãs da franquia e da bebida. “Desenvolvemos um roteiro para os fãs acreditarem que o episódio tinha começado e demos spoiler falso de um personagem que aparecia só as botas na temporada anterior e ninguém sabia o rosto dele. Acompanhamos em real time, os fãs adoraram e a menção à marca da Coca-Cola bateu recorde sem impulsionar com mídia”, diz Wladimir Winter, diretor criativo do Fox Lab.

Fox Lab/Divulgação

Esse é um exemplo da expansão dos núcleos de negócios para atender à demanda de conteúdo de anunciantes e do mercado publicitário, movimento que se posiciona e anda a passos largos desde 2015. Além da Fox, as programadoras Turner, Discovery, Globosat e ESPN turbinaram estrutura física, time e expertise para entrar nesse caminho que, apontam, é sem volta.

Cada empresa tem seus ingredientes secretos, mas todas defendem que focar na qualidade do conteúdo, entender se há afinidade da marca com este e se há relevância para a audiência e programação da casa são itens básicos. Outro ponto vital é lidar bem com a dinâmica de trabalhar de forma coletiva e integrada entre canais, clientes, agências, produtoras e demais envolvidos. Em geral, todos precisam sentar à mesma mesa para construir, a duas, quatro ou quantas mãos forem necessárias, o casamento perfeito entre ideia e formato.

Rafael Davini, VP de Ad Sales da ESPN no Brasil, afirma que o crescimento desses núcleos com ativos como estúdios e talentos reflete a crescente busca dos anunciantes por formas de se comunicar com a audiência como parte integrante da história e não só de maneira passiva e tradicional. Por isso, cada projeto precisa ter um DNA.

“Estamos falando de customização, taylor made para a marca que tem objetivos e propostas muito diferenciados. Cada projeto tem o DNA do seu canal. Este tem sido o diferencial da TV, em essencial canais que são proprietários do conteúdo, pois a liberdade de feição cresce muito mais.”

Feito em casa

A ESPN, que tem uma área para projetos especiais há mais de oito anos, viu sua importância crescer desde 2015. A Soluções Criativas é composta por seis pessoas e faz em média 20 projetos especiais por mês, com marcas como BTG, Budweiser, Corona e Paramount.

Para a Budweiser, que patrocina os esportes americanos na ESPN, o programa The Book is on the Table virou ESPN League. O cenário reproduz um sports bar com elementos da marca, às sextas-feiras ocorre o Happy Hour Budweiser (live no Facebook com os apresentadores comentando a pauta do dia), e foi criada uma vinheta especial. “O mais importante é a preocupação em criar um conteúdo realmente relevante para o fã do esporte e não apenas inserção de marca”, diz Davini.

Criada há mais de dez anos, a área Projetos Especiais da Globosat, aos poucos, se transformou em um hub criativo e estratégico para os clientes, e tem hoje uma equipe de 15 profissionais, entre especialistas em marketing, criação, designers, publicitários, jornalistas e analistas de dados, muitos oriundos de agências.

Divulgação

Eles estão integrados ao time comercial, mas seu foco são os projetos e ações diferenciadas que, segundo Fred Müller, diretor-executivo comercial da Globosat, mostram uma evolução na comunicação com o consumidor. “Denotam a preocupação das marcas em atingir o seu público com serviço, informação e entretenimento e não apenas a partir de campanhas, que continuam a ser muito importantes”, explica.

Para complementar as soluções dos canais com uma visão 360°, mesmo se não houver o envolvimento de suas marcas, foi criada no fim de 2016 a VIU, unidade de negócio focada nas plataformas digitais da Globosat. Sem falar em números, Müller garante que o volume e a diversidade dos projetos crescem a cada mês, por demanda da agência ou do cliente, e por ideias internas.

Entre os cases está a novela Guacamole da Paixão, realizada em parceria com a agência DPZ&T e o McDonald’s. Inspirado nos folhetins mexicanos, o formato foi estrelado pela apresentadora Titi Müller e pelo ator Bruno de Luca, que lançou de forma bem-humorada o sanduíche Original Mex. “São estes formatos que permitirão às marcas abraçar causas e propósitos. Um bom roteiro alinhado à credibilidade do conteúdo tem o poder de reforçar posicionamentos e conectar emoções”, diz o executivo.

Os canais Fox também já faziam projetos especiais na Branded Solution, mas há pouco mais de um ano decidiram criar o Fox Lab para entregar soluções inovadoras e irreverentes para os clientes. “É uma área de inovação acima de tudo. Independentemente de formato e da plataforma, temos de criar coisas diferentes”, afirma Winter, que destaca também os cases do reality Rio Bar Brasil, criado em 2016 para a Cachaça 51, e o programa Fox Workout – Dia de treino, feito em parceria com o Confef (Conselho Federal de Educação Física), que estreou em julho.

Sem break

Uma preocupação das empresas é não interromper o que as pessoas estão assistindo. O objetivo é fazer com que a publicidade deixe de ser uma interrupção e passe a ser uma extensão do conteúdo que o espectador já está acostumado a consumir no canal.

É o que a Turner tem como premissa desde que a Innovations foi criada, há três anos. A área saiu de 15 projetos especiais em 2015, para quase 50 em 2016 e tem a expectativa de dobrar este ano. A equipe exclusiva tem 17 pessoas e trabalha com as áreas de ad sales e a de canais.

Segundo Luciana Rodrigues, VP de Innovations da Turner América Latina, todos os projetos têm a mesma identidade do canal e estão alinhados ao conteúdo para que façam sentido à audiência e complementem sua experiência. “Um bom comercial é um conteúdo. Se estou assistindo a um filme e você me oferece a receita que acabei de ver, perfeito. Não podemos ignorar o que as pessoas estão vivendo”, afirma.

Roberto Nascimento (Naná), VP de vendas publicitárias da Discovery, explica que a empresa acredita piamente nos modelos de mídia e o grande negócio segue sendo vender os 30 segundos, mas já faz branded content há mais de dez anos. O que mudou nesse período é que hoje a discussão não é mais criar histórias para marcas, mas integrar as marcas às histórias que os canais contam.

Carol Carquejeiro/Divulgação

“A marca passa a fazer parte do entretenimento, que é o que a gente faz. As marcas vão poder, a partir das histórias que nós contamos, entreter também a audiência. Branded hoje é um ecossistema: é uma marca trafegando através de conteúdos em diversas plataformas, e até concorrentes nossos eventualmente”, explica.

A Discovery mergulhou tanto em branded que nos últimos anos o departamento, antes chamado de Solutions (para formatos longos) e Discovery Creative Group – DCG (para formatos curtos) mudou para Branded Entertainment e trabalha o conceito de Branded Ecosystem com o posicionamento Dive (Discovery Immersive Value Ecosystem).

Em 2015, o primeiro Cozinhando no Supermercado teve seis episódios e seis conteúdos para outras plataformas, basicamente receitas em vídeo. Mas em 2016 foram feitos 36 conteúdos diferentes, entre receitas em vídeo, entrevistas com os finalistas e especialistas do Pão de Açúcar, exibidos em canais da empresa e do anunciante. Já o case Sinestésicos – Sentidos Cruzados, criado para a Peugeot, começou no Facebook e só depois foi para a TV. “Não estamos mais falando de trazer o espectador para o nosso conteúdo, mas levar o conteúdo para onde o telespectador estiver.”

Kelly Fuzaro/Divulgação

Estudar para fazer melhor

As empresas apontam que insights e branded são cada vez mais indissociáveis, e têm buscado entender melhor e mais profundamente a sua audiência. A Discovery, que atualmente tem em 35% dos seus negócios ao longo do ano algum formato de branded, está em seu segundo estudo Desbravadores. O primeiro, de 2016, pesquisou qual percepção o consumidor tinha da presença de marcas em conteúdo. O segundo, a ser lançado este mês, analisou quais emoções as marcas despertam no consumidor.

Já a Turner desenvolveu nos Estados Unidos a Launchpad, uma plataforma de dados com insumos atualizados em tempo real sobre o comportamento da audiência global de seus canais. Os insights gerados são usados pela Innovations para criar branded content nas plataformas e públicos certos.

No Brasil, a ferramenta foi usada durante o Oscar deste ano, na TNT. A partir de um briefing sobre memória, a Turner fez para a Samsung um countdown de sete dias com os momentos memoráveis do Oscar; no dia da premiação, as pessoas escolheram seu Top 3 e a Carol Ribeiro, host da TNT no Oscar, deu o resultado do tapete vermelho com o celular da marca; durante o evento, as pessoas comentavam na hashtag qual momento achavam memoráveis. “O mais importante é o conteúdo. É nisso que as pessoas estão interessadas”, reforça Luciana.

Canal TNT/Divulgação

Mesmo que o mercado não enfrente um mundo pós-apocalíptico, em que uma espécie de publicidade vai eliminar a outra, o cenário mostra algo que Paulo Coelho, diretor de criação da DM9, apontou no debate Branded content, a nova publicidade, em 2015: trabalhar conteúdo não é opção, é sobrevivência.

“Para aqueles que não acreditam nele, certamente estarão propensos a falhar. Os que se adaptarem, colherão frutos mais rápido”, finaliza Davini.