“Em 2020 as guerras dos streamings vão remodelar a indústria de vídeo”. Assim começa o Grabyo Value of Video Report 2020. Segundo adiantou o estudo lançado em janeiro, nos próximos cinco anos, 25% das pessoas pretendem pagar apenas por serviços de streaming, 24% já fizeram a troca, 15% vão mesclar e 13% vão continuar com a TV por assinatura. Foram ouvidas 13 mil pessoas no Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha, Brasil, Argentina, Japão, Tailândia e Austrália.
No Brasil, a pesquisa apontou que 50% dos consumidores gastam de US$ 6 a US$ 22 por mês em serviços de vídeo; 37% usa mais da metade dos gastos com vídeo em streaming; e 44% estão dispostos a pagar entre US$ 5 e US$ 9 por mês por isso.
Também no início de 2020, a Ampere Analysis indicou que esse mercado já ultrapassaria as assinaturas de TV paga em mais de 30 países até o fim do período. Em março, a Digital TV Research estimou que as assinaturas de serviços de streaming na América Latina aumentariam de 42 milhões no fim de 2019 para 81 mi em 2025.
Em setembro, a projeção foi revisada para 100,3 mi. A mesma consultoria sinaliza que Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, AppleTV+ e HBO Max terão 529 milhões de assinantes até 2025.
Já o estudo Mercado, Consumo e Diversidade em Serviços de Streaming de Vídeo na América Latina, da Sherlock Communications, frisa que mesmo os impactos da Covid-19 nas economias da região não desaceleraram o crescimento deste mercado.
Na pesquisa feita com a Toluna em países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, mais de 92% dos entrevistados disseram que assinaram uma plataforma desde 2019, com 70% tendo adicionado pelo menos uma em 2020. “Estamos falando de apenas 7% dos entrevistados que não assinam nenhuma plataforma de streaming. Para onde vai a indústria a partir daqui?”, reflete Patrick O’Neill, cofundador da Sherlock Communications.
Rafael Pallarés, presidente do Comitê de Vídeo Digital do IAB Brasil e diretor-geral para Latam na Magnite, acredita que, com vários serviços de streaming de vídeo sob demanda por assinatura (SVOD) no Brasil, haverá mais serviços de vídeo sob demanda suportados por publicidade (AVOD).
“À medida que o segmento de streaming evolui, os serviços farão movimentos mais decisivos no sentido de se tornarem opções de apelo para grandes audiências. As TVs conectadas são o futuro da televisão e serão a forma mais comum, seja por serviços de assinatura ou baseados em publicidade. A expansão dos canais de distribuição e a ampliação da base de usuários são um caminho natural.”
Uma “nova” gigante
A cerca de um mês para encerrar o ano, o tabuleiro brasileiro ganhou uma peça que já chegou mudando a dinâmica e impondo novas regras: o Disney+. O serviço de streaming por assinatura da The Walt Disney Company, empresa que acompanha o imaginário de diferentes gerações há quase um século, entrou no Brasil dia 17 oferecendo streaming simultâneo em quatro dispositivos, downloads em dez dispositivos e até sete perfis diferentes.
A plataforma reúne todo o conteúdo da Disney, Pixar, Marvel, Star Wars e National Geographic: mais 40 conteúdos originais, 500 filmes e 7 mil episódios de séries. No catálogo há títulos como The Mandalorian, série live action de Star Wars, e produções da Marvel como WandaVision, que entra em breve.
E há cerca de 70 produções originais já em desenvolvimento com Brasil, México, Argentina e Colômbia. Segundo Diego Lerner, presidente da The Walt Disney Company Latin America, este lançamento é “um marco na história da companhia na região e o início de um período inédito de inovação e criatividade”.
Além da estratégia de mídia feita pela Publicis com OOH em abrigos de ônibus, metrô, edifícios residenciais, shoppings e relógios, o Disney+ ofereceu condições diferenciadas antes da estreia para atrair assinantes, e fez pelo menos quatro parcerias para dar descontos.
Com Mercado Livre e Mercado Pago, a partir do programa de fidelidade Mercado Pontos, usuários podiam ter até seis meses de gratuidade na assinatura de um ano. No Vivo Selfie, portfólio de planos pós-pago da operadora, a Vivo fez um plano que une gigas de conexão com a assinatura do serviço. Alfredo Souza, diretor de marketing da Vivo, reforça a empresa como um hub de serviços digitais que, com a parceria, cumpre seu propósito de digitalizar para aproximar.
A partir também de acordos com Netflix, Telecine, HBOGo, GloboPlay e Amazon, entre outras, o objetivo é construir uma plataforma com experiências para todos os públicos.
“Buscamos trabalhar com inovação, oferecendo ainda mais serviços, além do setor de telecomunicações – oferecemos serviços em áreas como saúde, segurança digital, finanças, esportes e entretenimento. É essa variedade que potencializa o nosso posicionamento. Para a Vivo, é importante oferecer opções para que os clientes possam contratar os serviços que quiserem, da forma e no device que preferirem”, afirma.
O Bradesco, parceiro oficial de Disney+ no Brasil, também oferece benefícios para quem assinar o serviço pelos canais do banco. Larissa Lemes, gerente de multinacionais do Bradesco Corporate, comenta o acordo, primeiro passo da empresa no mercado de streaming.
“Além de estarmos de mãos dadas com um dos maiores players de entretenimento do mundo, esta parceria contribui para o movimento transformacional ao qual o Bradesco vai de encontro. Passamos a diversificar a experiência e ampliar oferta de serviços aos clientes”, diz.
Já no caso de Globoplay, o público pode escolher o combo Globoplay com Disney+ ou o Globoplay + canais ao vivo com Disney+. Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais do Globoplay, explica que a parceria promove ofertas de conteúdo associadas à comodidade, e faz sentido em uma trajetória mais ampla.
“O consumidor está confuso e preocupado emnão pagar mais do que deve por serviços de streaming. O combo entre Globoplay e Disney+ tem duas questões: reúne serviços populares em assinatura única e oferece desconto. É bom para o consumidor, para a Globo e para a Disney. São empresas de mídia e em jornada para se transformar em mediatech. A parceria é consequência desta afinidade.” Satisfeito com os resultados iniciais, ele atribui o impacto da estreia à força da marca, ao conteúdo relevante e a parcerias fortes.
Tabuleiro vivo
Otávio Juliato, diretor-comercial da Omelete Company, empresa referência em cultura e comportamento no universo geek e de entretenimento, afirma que todo esse movimento é positivo e lembra que o Brasil está entre os 10 maiores mercados de streaming. “Por isso, estar presente e dominar o top of mind no mercado brasileiro faz a diferença para os players deste segmento”, analisa.
Procurada, a Netflix lembra que quando chegou ao Brasil, em 2011, percebeu um público ávido por conteúdos de diferentes formatos e gêneros que “não estava sendo atendido pela oferta de entretenimento na época”. “Apostamos em uma diversidade de conteúdos que possa atender os nossos mais de 10 milhões de assinantes no país, cada um com suas preferências”, afirma a empresa. Só em 2020, houve investimento de R$ 350 milhões em produções originais e licenciadas, como na comédia romântica Modo Avião, a série de terror Reality Z, além de especiais de comédia, reality shows e o thriller policial Bom Dia, Verônica.
“Em dezembro teremos o primeiro filme original Netflix com Leandro Hassum e os documentários musicais Emicida: Amarelo – É Tudo Pra Ontem e Anitta: Made in Honório. Estamos cada vez mais comprometidos com o mercado brasileiro e vamos seguir contando histórias autênticas e locais, muitas nunca vistas”, completa.
Player também já tradicional no país, o Telecine ressalta que seu foco é oferecer a melhor experiência em cinema e atender a um novo perfil de consumidor. “A palavra-chave é complementariedade. A chegada de novos players reforça o que já estamos fazendo há bastante tempo, colocando o assinante no centro da escolha dos pacotes e serviços”, diz.
Com mais de duas mil opções no catálogo, a empresa informa que vive o melhor momento do seu streaming, com um crescimento de 85% na base de assinantes desde o início da pandemia e tem hoje cerca de dois milhões de usuários ativos.
Também entre os principais players, o Amazon Prime Video reúne no catálogo desde conteúdos licenciados, como This Is Us e How I Met Your Mother, a originais aclamados, como Fleabag e The Boys. E não para de investir em conteúdos e experiências para estreitar a relação com os assinantes. Na CCXP Worlds, a empresa vai detalhar os lançamentos Invincible e The Wilds. Haverá ainda a ativação virtual Amazon Prime Video World, em que os fãs poderão andar pelos estúdios.
Engana-se quem pensa que todas as peças já estão posicionadas. No horizonte há por exemplo a Pluto TV, da ViacomCBS Company. O serviço de streaming de televisão gratuito oferece mais de 250 canais, filmes em parceria com redes de TV, estúdios de cinema, editores e empresas de mídia digital. Na América Latina, onde estreou no começo do ano, o serviço tem acordos com Mercado Livre, DirecTV, Movistar, Telecom, Unilever, Mondelez e Rappi.
Detalhes no Brasil, país com estreia em dezembro, serão revelados em breve. Outro fortíssimo concorrente é o HBO Max, previsto para desembarcar na América Latina no primeiro semestre de 2021. A expectativa é que ele reúna a oferta HBO, Warner Bros., TCM, Cartoon Network e outras marcas.
Enquanto não chega, já sinaliza que vai combinar o poder de décadas de conteúdo com novos formatos e narrativas. Uma das produções é a The Fresh Prince of Bel-Air Reunion. A sitcom americana, que no Brasil foi chamada de Um Maluco no Pedaço, fez muito sucesso por onde passou, segue lembrada (e revista por enquanto na Netflix). Outra aposta do HBO Max é a reunião de Friends, série que estreou em 1994 e mantém viva a ligação com milhões de fãs.
Desafios e oportunidades
O ano de 2021 promete mais emoção. O estudo Tendências e Previsões de Mídia, da Kantar, aponta que os comportamentos das audiências serão mais complexos. O cenário escancara o desafio de fidelizar o público.
Adriana Favaro, diretora de negócios da Kantar Ibope Media no Brasil, exemplifica com o ‘assinante-bumerangue’, que vê as plataformas como intercambiáveis “elevando a batalha a outros níveis”. “Um caminho promissor para o sucesso são as parcerias entre os players do mercado. Estabelecer acordos de colaboração e investir em agregadores de conteúdo é uma das formas para reduzir a taxa de cancelamento de assinaturas, garantir fidelidade e ofertar conveniência. Esse movimento deve ser uma das prioridades para que o modelo de negócio de assinatura seja sustentável.”
Em pesquisa, a SEMrush identificou crescimento nas buscas por Disney+ no Google em 1.600%, comparando setembro de 2020 com janeiro de 2019. Para Erich Casagrande, marketing manager lead Brazil da SEMrush, o Disney+ no Brasil impacta os demais players em três pontos. O primeiro é ser referência em qualidade de conteúdo cinematográfico. “Isso por si só eleva a régua dos conteúdos que devem ser produzidos. Por um preço parecido você vai, sim, esperar uma qualidade tão boa quanto”, comenta.
O segundo é seu alcance e diversidade em canais e segmentos de entretenimento e informação. Outro é que a geração ativa economicamente cresceu assistindo desenhos e filmes da Disney. “Há um imaginário guardado de boas lembranças de um momento rico que está associado a poder rever e reviver isso agora. Os demais concorrentes não fizeram parte da infância dos atuais consumidores”, pondera.
Mesmo com esse crescimento, a Netflix segue líder em buscas: mais de 13,1 milhões por mês. Em seguida aparecem a Globoplay (3,6 milhões), Prime Video (1,4 mi) e Telecine (366 mil). “Quando a competição aumenta, é preciso ainda mais gerar conteúdo e serviço de qualidade que atenda às intenções do usuário. Você não pode criar algo apenas por achar interessante, será preciso alinhar com dados e informações do público e concorrentes”, avalia.
Para Pallarés, do IAB Brasil, há uma oportunidade interessante para a publicidade. Ele acredita que a maioria dos domicílios com acesso a Smart TVs pagará a assinatura de alguns serviços, e vai contar com outros gratuitos, baseados em modelos de publicidade, para expandir seu portfólio.
“Serviços que não requerem assinaturas vão ampliar a oportunidade que as marcas têm de se conectarem com audiências através de conteúdo de streaming de qualidade. Serviços de streaming suportados por publicidade podem ser a resposta para como trazer aos consumidores brasileiros o conteúdo que buscam, sem demandar mais dinheiro dos mesmos. Isso é bom para os consumidores, e oferece às plataformas uma forma de se sobressaírem”, finaliza.