O desejo de manter proximidade com amigos e familiares, ainda que a quarentena tenha imposto o distanciamento social, abriu espaço para novas formas de interação e consumo na internet. O fenômeno das lives e seus recordes de audiência evidenciaram em um primeiro momento a força, o engajamento e o alcance de atrações musicais. Não à toa, a live no YouTube com a cantora sertaneja Marília Mendonça alcançou 3,3 milhões de visualizações simultâneas. Mas, aos poucos, também surgiram grupos de interesse em outros nichos, como educação e bem-estar, entre outros.

Como consequência dessa profusão de ofertas, plataformas como Facebook e Instagram somaram nos últimos meses 800 milhões de usuários ativos diários no consumo ao vivo. Juntas, as plataformas também tiveram aumento de 70% nas visualizações desses conteúdos globalmente. Gonzalo Arauz, diretor de parcerias do Instagram para a América Latina, comenta o cenário.

“É muito inspirador ver as pessoas se unindo por meio das redes como Instagram para se apoiarem, se adaptarem e buscarem formas de ajudar umas às outras”. Diante desse crescimento expressivo, a plataforma anunciou em abril a possibilidade de salvar vídeos ao vivo diretamente no IGTV, para que o público possa consumir o material a qualquer hora. Até então, o conteúdo ficava disponível por até 24 horas no Stories.

No YouTube, a movimentação também tem sido intensa tanto para o consumo dos conteúdos ao vivo, quanto para as marcas que têm apoiado os projetos. Patrícia Muratori, diretora do YouTube no Brasil, explica que o mercado se abriu para uma nova maneira de atingir o público, não apenas artistas e criadores, mas também marcas.

Arauz: novas funcionalidades do Instagram ampliam alcance on demand

“Esses eventos demonstraram o apetite por esse tipo de conteúdo em nossa plataforma; a maioria das pessoas não tem dinheiro para ir a um show de seus artistas favoritos. Portanto, essa é uma oportunidade não apenas durante a pandemia. Por outro lado, para uma marca é possível alcançar milhões de pessoas ao mesmo tempo. E o que vimos é que as pessoas gostam de ver o artista em um ambiente mais descontraído”.

Patrocinador de mais de cem lives no YouTube desde o início da pandemia, em março, o PicPay é um dos exemplos de marcas que têm explorado os potenciais das lives. “O ponto forte foi a exposição. Sempre pensamos em estar lá para mostrar que somos um formato de transação via QR Code que pode funcionar em TV ou qualquer interação por vídeo, e isso funcionou e ainda funciona muito bem”, destaca Armando Areias, CMO do PicPay.

Bedaque, do Facebook: conexão com o torcedor mesmo no isolamento

Para Fefa Romano, CMO de Havaianas, cada live teve um objetivo em particular para a marca. Com o patrocínio de quatro transmissões ao vivo no período, o anunciante tem sido mais estratégico na escolha de artistas parceiros. “Algumas têm maior foco em produto e outras em mensagens mais institucionais que gostaríamos de passar para o consumidor, como foi o caso da live da Elza Soares, em que comunicamos um movimento de Diversidade e Inclusão da Alpargatas e ainda aproveitamos para incentivar doações à ONG All Out, que está conosco na linha Pride”, destaca.

Original
Além do ao vivo, outros atrativos têm tornado as plataformas de mídias sociais mais populares, entre eles os conteúdos originais on demand, sobretudo devido à qualidade dos vídeos e também seu formato gratuito. Em um momento de crise econômica, há quem tenha trocado a assinatura de serviços de streaming pagos pelo consumo de séries gratuitas, como detalha Mauro Bedaque, diretor de parcerias de entretenimento do Facebook para a América Latina.

“Nos últimos meses, lançamos conteúdos originais no Facebook Watch, como a série The Biebers on Watch, que acompanha a vida do cantor Justin Bieber e sua mulher, Hailey Bieber, durante a quarentena. Recentemente, também estreamos a série Unfiltered: Paris Jackson e Gabriel Glenn, que conta a vida da filha de Michael Jackson e sua carreira musical. Ambas disponíveis com legendas em português”.

Para os apaixonados por futebol, o Facebook também disponibilizou conteúdos on demand em parceria com a Conmebol, trazendo reprises de clássicos da Libertadores da América. “Com a pausa nas competições e o afastamento dos torcedores dos estádios por conta da pandemia, trazer esses momentos históricos da Libertadores para o Facebook Watch permitiu que os fãs pudessem se conectar com seus times do coração, reviver jogos clássicos e compartilhar essa experiência com os amigos, de qualquer lugar, mesmo durante o distanciamento social”, destaca Bedaque.

Patrícia, do YouTube: as lives demonstraram o apetite do público por conteúdo

Apostando alto no segmento esportivo, o YouTube também trouxe conteúdo original temático durante a pandemia. Em parceria com o Canal Desimpedidos, lançou em abril o reality Pra Cima, Fred, que contou a jornada do influenciador em busca de se tornar um jogador de futebol profissional. A série soma mais de 28 milhões de views.

Para Celso Vergeiro, CEO da AdStream, os resultados apenas evidenciam o quanto os serviços de streaming já conquistaram um mercado representativo. A pandemia apenas impulsionou algo que já estava disponível, mas pouco consumido. Na opinião do executivo, os conteúdos oferecidos são bons, mas ainda há espaço de crescimento, sobretudo, na criação de canais para os mais diversos segmentos e nichos de mercado. “O fato de as pessoas estarem mais em casa por conta da pandemia faz com que voltem ao antigo habito de assistir TV em família, mas os jovens estão o tempo todo ligado em seus smartphones e é lá que os serviços de streaming devem focar para crescer em assinantes e usuários”.

Retomada
Há pouco mais de um mês, cidades em todo o Brasil começaram o período de flexibilização da quarentena e, com isso, o retorno de suas rotinas sociais fora de casa. Diante do novo contexto, resta saber se o comportamento do público deve se manter ou se o consumo de vídeos nas plataformas deve cair. Para Sarah Buchwitz, VP de marketing e comunicação da Mastercard Brasil e Cone Sul, o momento é de avaliar os impactos do processo de digitalização do entretenimento causado pela pandemia.

A empresa patrocinou duas grades lives no período: em 20 de junho, promoveu o encontro entre os cantores Gilberto Gil e Iza, e no último dia 31 de julho, a marca de uniu Milton Nascimento, Liniker e Xenia França. “Com as imposições da pandemia, tivemos de repensar as nossas estratégias e agir com criatividade. As lives se mostraram uma maneira eficaz de conseguir criar conexões com o nosso público, trazer novos fluxos para nossos canais proprietários, oferecer experiências que não têm preço e, por meio das doações, ajudar aqueles que mais precisam”, pontua a executiva.

Sarah, da Mastercard: “As lives se mostraram uma maneira eficaz de conseguir criar conexões com o nosso público”

Sobre dar continuidade à estratégia, Sarah explica que o momento é de avaliação. “A pandemia acelerou o processo de digitalização do entretenimento. Como tendência, podemos esperar o surgimento de formas de diversão cada vez mais criativas e nativas digitais. Por isso, seguiremos monitorando as possibilidades que tenham conexão com a nossa marca”.
Na opinião de Gabriel D’Angelo Braz, diretor de mar- keting das marcas Devassa e Schin no Grupo Heineken, a resposta para a continuidade das lives pode estar na mistura entre experiências na internet e no ambiente físico.

Como exemplo, o executivo destaca o Festival Sarará, que será realizado no próximo dia 29 de agosto no estádio do Mineirão, com patrocínio da Devassa. “As lives foram um caminho muito importante, trazendo também muitos aprendizados, visto que eram um modelo pouco explorado. Ainda avaliamos novas iniciativas, focados em manter a segurança das pessoas em primeiro lugar, como modelos híbridos de ativação, o ‘Phygital’. São alternativas que devem ser testadas nesse momento em que a economia em diferentes regiões ensaia uma retomada”.

Para Gonzalo Arauz, do Instagram, ainda é cedo para avaliar esses impactos. “Se abordarmos o que pode acontecer em termos de comportamento social depois dessa quarentena, podemos imaginar que a realidade que vivemos hoje tenha impacto em como se produz ou se consome conteúdo dentro e fora da internet. Mas só saberemos com o tempo essas transformações”.

Novos players
Se depender das apostas de players como a plataforma Twitch, famosa pela transmissão ao vivo de jogos online, o mercado seguirá aquecido. Não à toa, a marca acaba de anunciar sua vertical no segmento de música no Brasil. Para o lançamento, artistas como Kondzilla, Laboratório Fantasma, Criolo, Pitty e Marcelo D2, entre outros, darão o “start” na produção de conteúdo, mostrando, além de música, o “lado B” de cada um. Performances ao vivo, cada vez mais procuradas pelos internautas em suas comunidades, estão entre as principais atividades, além de proporcionar a experiência de interação de produtores e artistas com seus fãs.

Na Twitch, as pessoas buscam por um outro tipo de conteúdo, que vai além das lives musicais. Elas procuram por programações mais versáteis e variadas. Por isso, montamos um time multicultural para este lançamento, onde os fãs poderão ver lados desconhecidos de seus ídolos, seja assistindo um documentário com o Criolo ou vendo o Marcelo D2 cozinhar o almoço de domingo”, comenta o diretor de parcerias e conteúdo da Twitch, Wladimir Winter.

Segmento bastante procurado na pandemia, o humor também acaba de ganhar nova plataforma de streaming. A The Live Comedy chegou ao mercado na última sexta-feira (7) fruto de parceria entre as empresas ClapMe, Dromedário e Non Stop. A estreia do projeto contou com o show Coisa de Pai, reunindo os humoristas Maurício Meirelles e Nil Agra (pais de meninos) e Diogo Portugal e Victor Sarro (pais de meninas). A ideia é que a plataforma tenha um amplo catálogo de shows humorísticos. Emily Borges, diretora-geral da Dromedário, comenta a iniciativa. “Aprendemos com a pandemia que é preciso nos adaptar e a The Live Comedy traz a possibilidade de termos comédia em casa, com segurança, sendo shows diferentes do que veríamos no teatro”.

Outros segmentos, como esporte e notícias, também seguirão aquecidos, como destaca Patrícia, do YouTube Brasil. “O brasileiro é um usuário ávido, não é à toa que estamos entre os cinco maiores mercados da plataforma em todo o mundo. São 105 milhões de usuários mensais por aqui. É um ecossistema muito rico, que já gera receita e empregos, e ainda tem muita oportunidade para se desenvolver. Sem dúvida, conteúdos esportivos, assim como o universo de notícias, têm grandes oportunidades de desenvolvimento”.