Números do Google mostram que, neste ano, pela primeira vez, os acessos a sites de buscas via dispositivos móveis irão superar os realizados via computadores de mesa. Estimativa da consultoria eMarketer aponta que, em 2013, os gastos com publicidade em smartphones e tablets devem alcançar US$ 13 bilhões, após o faturamento do meio ter dobrado em 2012 sobre 2011. O valor ainda é ínfimo perto dos US$ 519 bilhões gastos no ano passado em publicidade no mundo, mas a tendência é de migração dos investimentos, avalia Michel Lent, jurado brasileiro de Mobile no Cannes Lions 2013. Lent é diretor do escritório brasileiro da americana Pereira & O’Dell, operação digital do Grupo ABC. Em entrevista ao propmark, ele fala sobre o momento da mídia no país, a qual ele vê em processo de desenvolvimento. “Estamos todos aprendendo a fazer publicidade nos dispositivos móveis”, afirma.
Mobile é hermético
“O mobile, ao contrário de outras áreas, é muito hermético. Não vemos os cases na rua. Quando você vê um comercial, mesmo no YouTube, sabe o que te espera em Cannes. Em Mobile, os cases que apareceram são muito específicos, fragmentados. Não fui procurado por ninguém ainda no Brasil interessado em mostrar seu trabalho. Tenho certeza que há peças sendo inscritas, que iremos chegar lá e que haverá surpresas tanto do Brasil quanto de outros países. Seremos submetidos a ideias e materiais muito frescos, tenho certeza disso.”
Apresentação
“Como Mobile é uma categoria muito nova, os entrantes não são necessariamente empresas com tradição em festivais. Algo evidente em grandes agências é o cuidado com a apresentação do case, com a linguagem e com a edição. Brincamos que, em Cannes, deveria haver uma categoria só de videocase, porque há edições sensacionais de ideias que não são tão interessantes. O videocase é uma parte muito importante do processo. Quando há uma nova área, com muitos entrantes, por um lado, a barra desce, porque qualquer empresa tem chances de ganhar no começo. Mas, à medida que a área começa a se desenvolver, vencer fica mais difícil. Por outro lado, há o despreparo de submeter ideias e se preparar para a área. E são muitas categorias dentro de uma única área, além das diversas disciplinas que o festival foi agregando ao longo dos anos. E há diferenças muito tênues sobre as fronteiras entre cada uma.”
Mobile x desktop
“Há um crossover na Ásia, onde as pessoas estão gastando mais tempo no mobile do que no desktop. O Brasil, em mais um ano e meio, também vai ter o seu crossover. Essa é uma questão que suscita outra: já que as pessoas estão gastando tanto tempo nesse dispositivo, como monetizo isso e quais formatos de mídia paga vou conseguir utilizar, com eficácia, nesse novo meio? Há questões de formato, experiência e uma grande confusão sobre tamanho de tela. O fato é que as pessoas estão consumindo mais mídia mobile, e fazer dinheiro é um desafio.”
Crise dos publishers
“O publisher não é sócio de uma empresa de celulose, não há nenhum problema com o fim do papel, desde que ele consiga recuperar as receitas de outra forma. Contudo, há compensações. O processo de distribuição de conteúdo no digital é muito mais barato. Mas é um ‘grande fuzuê’. As redações são impactadas com questões como qual é o timing de publicação, modelo de estrutura de redação, refresh editorial. Estamos na era da informação. Vivemos revoluções tão ou mais dramáticas quanto a que estamos experimentando agora. É um processo histórico natural que está ocorrendo em alta velocidade. Se colocar em perspectiva histórica, são menos de 20 anos (entre o surgimento da internet e modelos sendo questionados) e já estamos encontrando saídas. Parece uma eternidade agora para nós que estamos vivendo isso, mas quando avançarmos 40 ou 50 anos na história, este será um período muito pequeno.”
Aprendizado
“Eu diria que o mundo não sabe fazer mobile, não só o Brasil. O cenário digital de 2000 é muito semelhante com o de mobile hoje em matéria de desenvolvimento. Vejo um completo déjà-vu em determinadas comparações. Por outro lado, há elementos completamente diferentes. Quando estávamos nesse estágio de produção, em 2000, havia de quatro a seis milhões de usuários de internet no Brasil. Hoje, se considerar somente os usuários de banda larga, esse número está acima de 70 milhões. O cenário é muito diferente, mas o estágio de evolução do mercado é, de certa forma, parecido. A diferença está na velocidade em que a mudança irá ocorrer. Já houve todo o aprendizado de digital, então não será preciso gastar tempo convencendo as pessoas de que mobile é importante ou explicando como funciona. A curva de aprendizagem é muito mais acelerada que a da época do lançamento da internet. Acompanho as áreas digitais por muitos anos e vejo que Mobile está muito próximo do que era Cyber no início, do ponto de vista da experimentação.”
Contexto
“Nós dizemos que mobile deve ser muito mais orientado por comportamento do que por dispositivos. O que muda é a resposta a ser dada à pergunta: ‘O que você está fazendo quando está em movimento e o que está fazendo quando está sentado em frente a uma tela?’ Essa é a grande diferença. A solução mobile deve mirar o contexto.”
Banner
“O mobile não é sobre performance ou branding, mas sobre serviço. O grande desafio para as marcas é entender o contexto do consumo da mídia mobile. Não pode haver branding pura e simplesmente. A principal função no mobile é o bom serviço, com o qual é possível trabalhar a construção de marcas. É difícil as pessoas entenderem isso. Não se faz um aplicativo para lançar um carro, mas um app depois que o carro foi lançado para acompanhar o proprietário do automóvel a fim de ajudá-lo a usar esse carro da melhor maneira. Também há a parte de mídia – o Brasil ganhou um Leão de ouro no ano passado com um anúncio em iPad (AlmapBBDO para a Bradesco Seguros), o que é legal, mas comparo isso com os nossos banners em Cyber lá de trás. Em mobile, isso é um anúncio de rich media, com a diferença de que hoje você toca nele em vez de passar o mouse. Não há problema em ganhar Leão com banner. Eu já ganhei Leão de prata com gif animado e não há nada de errado com isso. Mas são os estágios primários de uma área. À medida que ela vai evoluindo, isso vai ficando cada vez mais complexo. Salvo anúncios de revista, em que se pode falar de branding, em mobile o grande desafio é oferecer serviço para a construção de marcas. É uma outra forma de pensar.”
Métrica
“Não funciona criar um aplicativo porque sua marca lançou um refrigerante. Quando for feita a análise do sucesso desse app, se verá poucos downloads, ou um pico de downloads e, depois, queda, com taxa de abertura nula. Em um caso assim, há duas alternativas: ou você não lança mais um aplicativo ou você muda os critérios de sucesso desse app. Você pode considerar que, como é um app de marca, o critério de sucesso é que um número específico de pessoas abriu o aplicativo na primeira semana, assim como é tratado o flyer de uma campanha. Mas tem marcas que comparam o próprio aplicativo com app de jogos, onde as pessoas gastam 10 horas. Assim, a análise e a comparação ficam muito difíceis.”
Apps de marcas
“É um fato que não conhecemos ninguém que tenha um aplicativo de marca no celular – a não ser que esse app seja orientado a serviço. Mas, se perguntar, verá que há muita gente que baixou um app de marca e que apagou. Isso indica que é necessário ou mudar o formato do aplicativo ou mudar a sua medida de sucesso. Um app de uma seguradora de automóvel é para o usuário chamar o guincho. E, talvez, a forma do cliente se relacionar com aquela seguradora passe a ser mais positiva porque ele vê um serviço adequado às suas necessidades. Eventualmente, o bom serviço prestado por uma empresa, com um aplicativo, também vai fazer o consumidor optar por aquela companhia.”
Vine
“A área de mobile está muito aberta no momento. O Vine coloca um desafio interessante: ele não permite subir vídeos prontos, editados profissionalmente. É necessário fazer na câmera do celular e obriga você a trabalhar com os recursos dados por ele. Já no Instagram é possível fazer uma foto profissional e publicá-la a partir do seu computador. No Vine, não. Ao mesmo tempo que as marcas podem mostrar um lado mais espontâneo, há um grande limitador na base: qualquer pessoa com boas ideias tem o mesmo potencial que uma marca. Não há espaço para produções milionárias. É preciso trabalhar com as mesmas ferramentas, seja você um indivíduo ou uma marca que vale bilhões de dólares. Estão todos num mesmo nível.”
Migração
“O parque instalado de telefone celulares no Brasil, seja de smartphones ou de feature phones, é gigantesco. Todos esses aparelhos, sem exceção, vão ser substituídos por smartphones em um prazo máximo de três anos. Não há nenhuma dúvida de que isso irá ocorrer, pelas razões mais óbvias: ninguém tinha televisão com tela colorida e hoje tem; ninguém também tinha celular. É óbvio pensar que o investimento também terá que migrar para o mobile.”
Indefinição
“Não há resistência por parte dos clientes (para adotar o mobile), mas desconhecimento. É um déjà-vu do embate mídia online e offline de 15 anos atrás, com a diferença de que hoje as pessoas já usam mobile e não é necessário convencê-las de que isso é importante. É verdade que a área não é prioritária ainda e está em um momento de indefinição dentro dos clientes, assim como o digital estava há dez anos. Ele era um tema abandonado e hoje é parte integrante dos departamentos de marketing. Mobile vai entrar no discurso da mesma forma. Nesse momento, é um assunto solto ainda, mas não há resistência a ele.”