A pandemia da Covid-19 escancarou vários problemas endêmicos do Brasil. E um dos mais nefastos é o transporte público. Não bastasse a condição humilhante das viagens abarrotadas em ônibus e no metrô dos grandes centros urbanos, os brasileiros também passaram temer a contaminação pelo novo coronavírus, que encontra na aglomeração de serviços mal administrados o território perfeito para fazer vítimas.
A doença expôs um quadro que tem no trabalho dos pesquisadores a confirmação da necessidade de mudanças urgentes. Uma das tendências é a micromobilidade. O passageiro poderá escolher o meio que desejar em diferentes trechos de uma mesma viagem pagando um valor que deverá ser dividido entre o poder público e a iniciativa privada.
“Essas parcerias devem crescer muito tendo a tecnologia como ponto de integração do sistema”, aponta Ronaldo Picciarelli, diretor de clientes da Ipsos, durante o primeiro dia do Congresso Brasileiro de Pesquisa de Mercado, Opinião e Mídia 2021, realizado em formato online nesta terça-feira (16) pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.
Mas Ana Verroni, insight e research head da 99, lembra que, antes, a corrida é por recursos. “A combinação do público com o privado tem um longo caminho, que precisa de investimentos em infraestrutura e soluções mais sustentáveis, como caminhar a pé ou de bicicleta sem ser atropelado”, acrescenta a executiva do aplicativo, que já vem trabalhando com parceiros para pequenos trechos e projetos de cidades inteligentes.
De acordo com dados do estudo Mobility Futures e Barômetro da Covid-19, comentados no evento por Luciana Pepe Vieira, gerente de atendimento da Kantar Brasil, os cidadãos têm uma forte necessidade de mudança na mobilidade em São Paulo com alternativas mais seguras, rápidas, confortáveis, confiáveis, acessíveis e ecológicas. A expectativa para os próximos dez anos é que as bicicletas cresçam 47% e as caminhadas a pé avancem 25%. Já o transporte público deve aumentar 10% e os carros devem sofrer uma retração de 28%.
“A crise acelera a inovação. Novos serviços estão surgindo para mobilidade urbana”, revela Luciana. O estudo confirma que, para muitos consumidores, o transporte é agora uma variedade de escolhas. Globalmente, 40% das pessoas estão dispostas a adotar novas possibilidades, como o Zipster em Singapura, e o sistema de pontos “no car incentives” na Áustria, com recompensas culturais para quem não usar carros.
A cidade de São Paulo ainda está longe dessa realidade. Da pesquisa da Kantar feita com 20 mil viajantes frequentes em 31 cidades, a capital paulista ficou em penúltimo lugar no índice de mobilidade. O levantamento indica 2030 como o ano da virada para a mobilidade sustentável nas principais cidades do mundo com o transporte público, bicicleta e caminhada (49%) superando os carros (46%) pela primeira vez na história. A previsão é que 10% dos entrevistados nas 31 cidades pesquisadas mudem os seus hábitos de mobilidade, o que equivale a um contingente de cerca de 37 milhões de cidadãos.
A indústria automotiva se prepara para as mudanças, especialmente no que se refer à transição para os modelos elétricos, seguindo determinações europeias que devem vetar veículos movidos a combustíveis fósseis nas próximas décadas. Considerando o cenário da pandemia, a Kantar acredita que deve haver uma adiamento das compras de carros e não um cancelamento já que as pessoas estão à espera de um momento mais estável da economia.
O recado deixado para as marcas é: entenda e proteja os seus consumidores, reavalie a dinâmica da cidade, reacenda o interesse por meio da inovação e reconsidere parcerias. Para a Kantar, não existe “novo normal” e sim uma realidade com variáveis diferentes, dados atuais e oportunidade de mudar a forma como se enxerga a mobilidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Os dados descobertos pelos profissionais de pesquisa embasam as estratégias que definirão o futuro não só da mobilidade como nos demais setores. “A visibilidade, apesar da confidencialidade dos projetos, começa a ser reconhecida”, destaca Duilio Novaes, presidente da Abep, durante a abertura do congresso. “A atividade de pesquisa ocupa o 36⁰ lugar entre as ocupações mais desejadas em todo o mundo”, acrescenta o executivo citando um estudo do Wall Street Journal.
Com a pandemia, há ainda mais perguntas a serem feitas, e o setor de pesquisa segue resiliente na busca por respostas capazes de ancorar o plano de negócios das marcas. “Os desafios serão vencidos a partir de soluções colaborativas”, adverte a pesquisadora Alessandra Frisso, representante da Esomar no Brasil.
O 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa segue nos dias 18, 23 e 25 de março entre 9h e 12h com temas que valorizam cada vez mais o papel das pesquisas no universo dos negócios, além de buscar uma audiência além do seu setor. “Queremos atrair também quem investe em pesquisas”, comenta Sabrina Balhes, chairwoman do congresso organizado desde 2004.
Promovido a cada dois anos pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), o evento “Inspiração para novos caminhos” deveria ter acontecido em junho de 2020, mas precisou se adaptar às exigências instauradas pela pandemia da Covid-19. O desafio foi manter a troca de conhecimento e a valorização da atividade respeitando as restrições sanitárias. “Essa mudança propiciou o acolhimento de novos casos”, comenta Sabrina.
Um deles é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde setembro de 2020. O advogado Marcel Leonardi, professor da FGV Direito SP e especialista em privacidade de dados, apresentará as implicações da lei na indústria de pesquisa, e um debate mediado por Larissa Galvão, legal manager e DPO da Kantar, com as presenças de Eliane Quintella, presidente do comitê jurídico da Associação Brasileira de Anunciantes (Aba), e Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), devem esquentar ainda mais a discussão.
Fernanda Alcântara, pesquisadora do Creative Shop do Facebook em Nova York (EUA), também participa do evento. “Teremos recortes inéditos de estudos sobre diversidade, abordando a importância do assunto nos anúncios”, antecipa Sabrina. Já o crescente avanço das plataformas de áudio será abordado pela jornalista Renata Lo Prete, âncora do Jornal da Globo e do podcast “O assunto”, e por Fábia Juliasz, head de pesquisa da Rede Globo.
Salas simultâneas foram montadas ofertadas para garantir mais conteúdo, que poderá ser acessado por meio de gravações. O objetivo é municiar o mercado com soluções confiáveis. “A pesquisa anda de mão dada com a tomada de decisão inteligente”, pontua Sabrina. Segundo a executiva, pensar no problema e nas alternativas, avaliar ganhos e possíveis perdas são as bases para resolver, evitar ou potencializar cenários dentro de um contexto de rápida transformação social e tecnológica.