Fernandes: não importa para mim a procedência de uma peça

 

Fábio Fernandes, sócio e diretor de criação da F/Nazca S&S, é o jurado brasileiro da área de Film no Cannes Lions 2013. Com mais de 50 Leões no currículo, ele é um veterano no festival: foi jurado em 1997, em Film, e em 2010, em Titanium and Integrated. Em entrevista ao propmark, o executivo fala sobre o que considera um bom filme num momento em que a publicidade se espalha por diferentes plataformas e sobre o novo papel da TV, que resiste, apesar dos prognósticos negativos.

TV resiste
“É preciso separar bem as coisas. Uma é chegar à conclusão de que a televisão não deve mais ser a única forma de se conectar com o consumidor. Outra é concluir que ela não tem mais importância. Há uma tendência de tirarem a importância da televisão, o que considero um erro. Nos Estados Unidos, onde foi previsto que ela acabaria, os americanos estão percebendo que essa ainda é uma ferramenta importantíssima para disseminar uma série de coisas. Naturalmente, comparando com o passado, há hoje outras plataformas importantes na comunicação de uma marca. No passado, a televisão era o principal meio de falar com os consumidores, até com os que estivessem nos mais longínquos territórios, a um custo até razoável num país gigante como o Brasil. Quando ela era a única peça, carregava uma responsabilidade muito grande de endereçar uma série de assuntos em uma mídia que não era nem adequada para tanto. A TV é um meio para estimular emoções, mas ficava restrita a uma linguagem mais dura e direta, com mensagens como ‘ligue já’ ou ‘assine agora’. Na medida em que novas plataformas se popularizam, há a possibilidade – e é isso que os anunciantes estão percebendo cada vez mais – de colocar as mensagens adequadas a cada um desses canais. Assim, sobra para a televisão o que deveria ter sido sempre mantido, que é a possibilidade de despertar emoções, de fazer o consumidor sorrir e se emocionar.”

Produção aquém
“Propaganda ruim tem em todo lugar, não é privilégio de brasileiro. A capacidade de execução do país está muito melhor do que já foi, mas muito aquém do que precisamos no dia a dia. Não podemos nos ater apenas aos melhores ou aos piores exemplos. O que define um padrão é exatamente a média na grande quantidade. Temos produtoras e diretores de altíssimo talento, que fazem essa média ser puxada para cima, mas são casos muito pontuais e isolados na frente da demanda e do dia a dia do mercado. Eu não seleciono o trabalho da F/Nazca entre o que vai ser bom e o que vai ser ruim. Mas não consigo dar 50 filmes para os mesmos dois diretores que fazem trabalho de excelência. Tem hora que dá para fazer com os melhores e tem hora que não. Temos uma deficiência grande na área de produção.”

Evolução
“Sem dúvida alguma seria necessário uma evolução no segmento de produção publicitária. Mas é preciso que toda a cadeia evolua, o que inclui elenco, produtores, diretores, redatores e fotógrafos. Há no país os profissionais que fazem trabalho de primeiríssimo mundo, tanto que esses talentos estão sendo procurados por agências e anunciantes globais. É o mesmo fenômeno que aconteceu há alguns anos na Argentina. Mas esses profissionais são um número pequeno para dar conta da demanda que eu, sozinho, à frente da F/Nazca, tenho – ainda mais se somar isso à demanda de outras boas agências que também buscam tal qualidade nos filmes. A propaganda brasileira não consegue ter padrão de excelência porque tal nível no Brasil está restrito a um número específico de produtoras e de diretores. Por isso que ela não conseguiu ainda definir um padrão de melhoria na qualidade da produção nacional. A média é que acaba sendo o padrão – e a maior quantidade do que se produz não é de nível elevado.”

Um bom filme
“Toda regra para esse tipo de coisa morre em cinco minutos. Não há fórmula. Já vi comerciais produzidos com os melhores recursos tornarem-se filmes horríveis. Já vi os melhores comerciais do mundo sem nenhum recurso e já vi o inverso disso também: comerciais brilhantes usando bilhões de produção. E há muita coisa metida a simplória que é só simplória: ruim mesmo. De regra geral, uma forma esteticamente diferente de mostrar algo contribui muito para uma ideia aparecer. Uma ideia ordinária, sendo mostrada de uma forma nova, pensada de um ponto de vista diferente, tem a capacidade de estabelecer um estímulo. O bom filme é aquilo que contraria expectativas, é diferente do que você já viu, ou que utiliza valores já reprisados dezenas de vezes, mas de uma forma inovadora ou satírica. Você vê algo que contraria tudo o que você pensou. Mas não acredito que exista fórmula. Se for encontrada, na hora em que for, ela acaba na mesma hora.”

O júri
“Porque há muitas peças inscritas, o júri é dividido em três outros móveis, formados no domingo (primeiro dia do festival, 16). Depois, há troca entre os participantes de cada júri móvel. O corpo de jurados não anda junto todo o tempo. Na quarta-feira (19), a partir da manhã, é a primeira vez que todos se reúnem pela primeira vez. Nesta hora, todos veem o que foi produzido por cada grupo, que gerou um longlist. Com a votação, sairá uma nova média, que dá origem ao shortlist. Dentro dessa seleção haverá os filmes que serão escolhidos a partir de uma média de corte que, em geral, é definida pelo presidente do júri e tendo como base o histórico do festival. Depois de todos terem visto o longlist, dá-se a oportunidade para cada jurado trazer algo que ele ache que tenha faltado naquela lista, dentro do que ele assistiu nos grupos móveis em que estava. O suicídio absoluto é dizer que há um filme seu que gostaria de ver na lista. Esse é o único momento onde há diálogo entre todos os jurados. Da quinta-feira (20) de manhã até a sexta-feira (21) à tarde, quando termina o julgamento (o resultado é anunciado no sábado, 22, à tarde), é quando há debate entre esse grupo grande de pessoas.”

Bandeiras
“Em um grupo civilizado de pessoas, espera-se que haja seriedade e que não sejam levantadas bandeiras. Quem já me viu atuando pode dizer que sou o pior jurado do mundo para o Brasil, porque não importa para mim a procedência de uma peça. Não participo de júri nacional para ‘puxar’ prêmio para a F/Nazca. Da mesma forma, não estou em júri internacional para ‘puxar’ prêmio para o Brasil. Mas, se estiver em júri no Brasil e alguém vier sacanear trabalho da minha agência, eu viro bicho. Sei fazer a mesma coisa se alguém, em um festival global, tiver má índole e tentar destruir trabalho brasileiro de uma maneira injusta. Eu sei defender o que é bom, não importa se é do meu país ou não.”

GP de Film em 2012
“Não acho que era prêmio para Grand Prix (o filme ‘Back to the start’, da Creative Artists Agency Los Angeles para a rede de fast-food Chipottle). É difícil o júri dar um prêmio desses e alguém odiar, embora já tenha acontecido em anos passados, quando odiei veementemente GPs. Não é o caso desse, que é um lindo filme para uma genial plataforma de posicionamento de uma marca. Acredito que essas coisas (filme e posicionamento) se misturaram – e é isso mesmo que você espera que ocorra na cabeça do consumidor, que é para quem fazemos essa coisa toda. É, sem dúvida, algo inovador, mas ele teve 80% da genialidade na ideia em si da empresa. O genial não é a peça publicitária, mas a estratégia da empresa. Nada contra. Só acho que, se eu estivesse no júri, teria dado o Grand Prix para o filme ‘The Bear’, da BETC para o Canal+.”

Inveja conselheira
“O ‘The Bear’ foi o filme que eu mais odiei ver no ano passado, simplesmente porque eu sinto inveja. E esse é um ótimo divisor para você definir o que é um ouro ou um Grand Prix: ‘O que mais odiei não ter feito?’. Olho aquilo e fico irritado. Quem foi que produziu isso? A melhor forma de mostrar admiração por alguém é, de uma forma saudável, invejar as boas coisas que faz e pensa. A diferença entre o bom profissional e o medíocre é que o último ficou odiando para sempre. O bom profissional odeia cinco segundos e elogia dali em diante.”

Publicidade e conteúdo
“Já havia acontecido antes no festival a integração entre filme e branded content, com Dove (em 2007), que levou Grand Prix em Film e Cyber (com o filme ‘Evolution’). Isso mostra que as coisas geniais são excelentes em diferentes plataformas. O caso de ‘Back to the start’ e do filme de Dove é elucidativo. Quando uma ideia é boa, ela é arrebatadora em qualquer lugar. É preciso saber utilizar o meio, que é o oposto de ficar replicando a mesma peça em diferentes lugares – o spot no rádio que tem o mesmo texto do filme da televisão. O que é rico nessa oferta de plataformas é exatamente poder focar na grande ideia, mas aproveitar o potencial das ferramentas que o ecossistema te oferece.”

Utilidade de Cannes
“Para quem vai ao festival para se alimentar, com o intuito de experimentar, Cannes é muito útil. No passado, ele era uma das únicas oportunidades de trocar experiências com pessoas do mundo todo. O festival era uma real descoberta sobre o que estava sendo feito globalmente. Mais tarde surgiram empresas que faziam compilação sobre melhores trabalhos e era possível ter acesso a isso, mesmo com certa defasagem de tempo. Naturalmente, a era digital tornou essa troca corriqueira. Não se vai mais para o festival só para conhecer peças, embora sempre haja coisas novas que acabamos conhecendo no próprio evento. O Cannes Lions virou um espaço para troca de experiência e de informação. Para quem vai apenas com o intuito de disputar e de ganhar, acredito que seja um desperdício. Para as pessoas que amadurecem, as coisas vão se relativizando.”

Quanto vale um Leão
“O prêmio é muito bem-vindo, mas não é o que muda a sua vida. Eu não vou mais para Cannes apenas para ganhar Leão. A F/Nazca foi a Agência do Ano em 2001 e é claro que seria legal se ela tivesse sido eleita também nos anos seguintes. Mas, se você tem algum tipo de maturidade, não pode ficar obcecado apenas com isso. Eu realmente acredito que, para os que vão a Cannes com o espírito aberto para trocas, o festival é bom. Para quem está na obsessão e na angústia da vitória, esse é um passo para você voltar frustrado. Pelo lado da imprensa, também há essa galhofa da busca pelo prêmio. Há tanta coisa para ver! A premiação faz parte do festival, mas o Cannes Lions não é apenas isso. Quem vê dessa forma vê uma camada muito superficial do assunto. Há muita coisa ali para ser aproveitada e, uma delas, é a valorização da indústria da publicidade. É sobre isso que devíamos falar – não sobre quantos ouros e quantas pratas cada um ganhou.”