Muito se fala em inovação do ponto de vista de startups, de empresas digitalmente nativas, entre outras iniciativas empreendedoras que estão diretamente ligadas à tecnologia. Porém, pouco se fala das empresas que são analogicamente nativas, que carregam o peso de uma operação pesada e ultrapassada, mas lutam bravamente para se reinventar e implementar uma cultura de inovação.

Há uma geração de profetas que determina o fim de uma era, com o fracasso absoluto dessas companhias e o sucesso de uma geração Z (nascidos entre 1990 e 2010) movida a patinetes elétricos e cigarros de vapor que grita “Foguete não da ré!”. Bom, vamos esclarecer algumas coisas por aqui: (1) patinete elétrico é a pura preguiça de pedalar ou medo de chegar suado na Faria Lima; (2) cigarro de vapor parece, sim, um pendrive e F*d$ do mesmo jeito; (3) foguete não DAVA ré. Elon Musk já resolveu esse problema.

Isso posto, não acredito que a nova geração não esteja apta a solucionar inúmeros problemas, apenas acredito que precisa de um equilíbrio sensato da velha guarda e, por isso, recomendo a leitura até o fim. Afinal, muito se lê sobre novas tendências e suas aplicações, mas pouco se reflete a respeito da sua praticidade.

Empreender não é abrir um novo negócio. Empreender é sobre ser um verdadeiro realizador, capaz de gerar valor através do uso de suas melhores competências técnicas e comportamentais, aceitando riscos e desafios. A partir dessa definição, já chegamos à conclusão que ser empreendedor não está ligado a uma revolução disruptiva do mercado, mas sim à nossa capacidade de promover mudanças profundas em qualquer esfera, seja ela em seu emprego, na sociedade ou até na vida de outra pessoa.

De carona no disruptivo, algo precisa ser feito com essa palavra e urgente. Conceitualmente é supermaneiro, ou cool, como dizem por aí, usar esse termo em nosso cotidiano. O problema é que raramente somos capazes de gerar o efeito que o termo realmente se propõe. Disrupção é o “ato ou efeito de romper” ou, ainda, a “quebra do curso normal de um processo”. Até que tenhamos ideias no mesmo patamar da Uber, que modificou não só a indústria do transporte de passageiros, mas também a forma como lidamos com o trabalho informal, precisamos ser no mínimo responsáveis com o uso dessa palavra.

Não questiono a legitimidade da geração Z, mas pondero suas atitudes e acalento algumas angústias dos millennials – nascidos após os anos 1980.

Então, como retomar o controle? O primeiro passo é entender que inovação é fazer o que ninguém faz, com o que todo mundo tem. Ou seja, ser capaz de abusar de todo conhecimento possível e impossível, disponível e até indisponível. Podcasts, vídeos, cursos online, seguir pessoas interessantes e inteligentes nas redes sociais, enfim, a internet torna o que era inacessível até então, para nossa frente em segundos. Tenha certeza, quando menos esperar, seu cérebro vai fazer as conexões necessárias e trazer à tona soluções inimagináveis.
Para exercitar essa prática é preciso desenvolver duas características: Inconformismo e Preguiça. Cheguei à conclusão de que o maior estímulo para nossa criatividade está em nossa capacidade de praticar a indignação. Devemos nos indignar com maus serviços, com o elevador que demora, o saquinho de fezes do cachorro ou com o processo moroso e complexo do trabalho. Já a preguiça, não se trata de um espírito sonolento, incapaz de agir.

Trata-se de encontrar maneiras mais simples e ágeis de realizar alguma atividade, tudo que demora e é difícil precisa ser evitado pelo nosso lado preguiçoso. Enfim, em algum lugar, alguém disse: “Se existe uma tarefa difícil, entregue-a a um preguiçoso. Ele vai achar uma maneira fácil de fazê-la”.

A indignação, por sua vez, vai fazer com que sempre busquemos formas de solucionar os problemas que provavelmente ninguém se incomodou ainda, e é exatamente aí que pode morar a disrupção.

A partir daí é só entender se estamos nos desafiando e enfrentando batalhas certas. O local em que trabalhamos estimula uma cultura de inovação? Se sim, essa batalha é de fato nossa. Precisamos entender que devemos ser os verdadeiros agentes da transformação, afinal as pessoas ao nosso redor precisam ser provocadas a buscarem esse inconformismo, e por fim inúmeros projetos e iniciativas precisam ser colocados em prática com a coragem de um verdadeiro empreendedor.

Estamos apenas tirando a empresa analogicamente nativa da condição de inércia e trabalhando a inovação incremental e sustentadora – aquela que representa uma melhoria em um produto ou processo já existente – e quem sabe atingido o patamar do disruptivo. Foi assim com a Amazon, ao criar o Amazon Web Service, em 2006. Vendo que tinham uma capacidade ociosa nos servidores, algum intraempreendedor enxergou aí uma imensa oportunidade de criar um negócio que faturou mais de US$ 12 bilhões em 2020.

Agora os millennials precisam descer de suas bicicletas e os Gen Z’s de seus patinetes, apagarem seus cigarros, desligarem seus vapores e esquecerem essa baboseira de foguete. Nunca tivemos tantas oportunidades de construir um novo momento, de criar soluções inovadores, e, quem sabe, disruptivas, com propósito e responsabilidade. Basta pararmos de achar que para isso é preciso romper com o curso normal e entender que a maioria das vezes é apenas corrigir esse trajeto com muita indignação e preguiça.

Rafael Mattos é gerente de marketing e comunicação visual da M&Co