A cena se repete todo ano nas redes sociais, assim que começa a campanha do Novembro Azul: homens apavorados correndo numa praia fugindo de um dedo gigante. Esse e outros vídeos de fundo humorístico sobre o exame de toque dissimulam o preconceito ainda forte entre os homens brasileiros em cuidar da saúde. Diversas campanhas têm procurado mudar essa realidade, mas estatísticas demonstram que não tem sido uma tarefa fácil.

Uma década de campanha de incentivo à prevenção do câncer de próstata pouco mudou no preconceito contra o exame de toque (Shutterstock)

O estudo Um novo olhar para a saúde do homem, do Instituto Lado a Lado pela Vida, aponta que quase 40% deles com até 39 anos só vão ao médico quando se sentem mal. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a proporção de mulheres que consultaram pelo menos um médico em 2019 era superior à dos homens (82% a 69%). Esse é um dos fatores pelos quais em diversos países, inclusive no Brasil, a expectativa de vida dos homens é inferior à das mulheres em sete anos (IBGE 2020). Além disso, os homens foram responsáveis por 76% dos suicídios no Brasil em 2020, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O psicanalista Pedro De Santi, professor de psicologia da ESPM, de São Paulo, divide esse problema em duas grandes questões comportamentais. De um lado, diz ele, há a dificuldade de se tomar consciência de que uma doença pode atingir qualquer um. “É um sentimento de onipotência onde ninguém acredita que pode acontecer consigo, que algo vai dar errado, até que acontece”.

A outra questão é a velha cultura machista de onipotência, na qual o homem tem dificuldade de demonstrar fragilidade, de um lado, e de “’dessexualizar’ o imaginário do exame de toque, que continua sendo visto como algo nada viril,” diz De Santi.

Para ele, é necessário muito tempo para que as campanhas de conscientização deem resultado efetivo. “Mudança de mentalidade leva décadas. E para isso é necessário começar o trabalho de conscientização desde a educação básica. Os jovens de hoje têm uma consciência ecológica que as gerações mais velhas não têm. Por quê? Porque desde o ensino primário elas aprendem a importância da conservação das florestas, da água e do ar. “É preciso levar a educação básica de saúde para as escolas, senão campanhas como Novembro Azul demorarão muito a ser efetivas”.

Pandemia
A também denominada ‘masculinidade tóxica’, que leva ao preconceito contra o exame de toque, foi agravada pela pandemia do coronavírus. Há uma década alertando para a importância desse exame, uma das principais ações da campanha Novembro Azul deste ano alerta que, com a pandemia, muitos homens deixaram os exames de rotina de lado, postergaram o diagnóstico e até mesmo tratamentos, favorecendo o aparecimento de casos da doença em estágios mais avançados.

Dados do Ministério da Saúde revelam redução de 21,5% das cirurgias para retirada da próstata por câncer na comparação entre 2019 e 2020. O número de consultas urológicas pelo SUS também caiu 33,5%. E as internações de pacientes com diagnóstico da doença tiveram queda de 15,7%. Já as consultas com urologista, em 2021, continuam baixas. Até julho, foram realizadas 1.812.982 consultas, em 2020 foram 2.816.326, contra 4.232.293 em 2019.

“O câncer de próstata é o tumor mais frequente no homem, excluindo-se o câncer de pele não melanoma. Este tipo de tumor da próstata não costuma apresentar sintomas em fases iniciais, e até 90% dos casos podem ser curados se diagnosticados precocemente”, alerta o médico dr. Geraldo Faria, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, filial de São Paulo (SBU-SP).

Doutor Faria: tumor é o segundo que mais mata no Brasil

Com o objetivo de alertar e chamar a atenção dos homens, a SBU-SP lançou a campanha #minhasaudenoazul nas redes sociais com conteúdo e informações relevantes para o público leigo. Criada pelas agências Unimagem e Magnitude, a campanha tem o apoio da Secretaria da Saúde de São Paulo e do Departamento de Iluminação Pública da capital paulista, que iluminou diversos monumentos da cidade de São Paulo de azul.

As concessionárias CCR Autoban, ViaQuatro e ViaMobilidade e o Santos Futebol Clube também apoiam a campanha. Celebridades como o Thiaguinho, o Piloto Hélio CastroNeves, o ex-jogador da seleção brasileira de futebol Paulo Silas, o humorista Renato Albani, o ex-tenista Fernando Meligeni, entre outros, também estão apoiando a campanha deste ano.

Cuide do que é seu
Para celebrar os 10 anos da ação Novembro Azul, o Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL) lançou a campanha Cuide do que é seu, criada pela AlmapBBDO. Durante todo o mês de novembro, serão realizadas inúmeras ações para alertar sobre a importância de adotar hábitos saudáveis, do diagnóstico precoce e da realização dos exames necessários para detectar o câncer de próstata e outras enfermidades.

A Almap assina a identidade visual, bem como todo conteúdo das redes sociais e demais peças que envolvem o guarda-chuva de comunicação para conscientização da importância da prevenção para o Novembro Azul de 2021.

Na concepção das peças foi utilizada como linguagem uma sobreposição com elementos gráficos para trazer o storytelling de um cenário e estatísticas relevantes sobre a realidade dos casos, a quebra do tabu e o aculturamento.

De Santi: imáginário machista ainda é barreira

A ideia é deixar claro, entre outras mensagens, que quando se tem um diagnóstico precoce, as chances de cura são muito maiores. É o caso do câncer de próstata, tipo mais comum entre os homens, cujo índice de tratamento com sucesso chega a 90% dos casos se detectados no início.

A campanha estará em vários meios com um alerta para os homens dedicarem mais atenção à saúde e compreende ainda desdobramentos com ações especiais ao longo do mês de novembro, mostrando que “cuidar do que é seu”, significa cura.

Câncer de pênis
Um outro problema de saúde masculina grave, pouco conhecido, mas que afeta muitos brasileiros, é o câncer de pênis. É um mal responsável pela amputação parcial ou total do órgão sexual masculino de cerca de 1.600 brasileiros nos últimos anos.

Apesar de raro nos países europeus e da América do Norte, esse tipo de tumor é uma condição frequente em muitos países africanos, sul-americanos e asiáticos. No Brasil, noventa por cento dos casos são tratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso sugere que o câncer de pênis tende a afetar os homens mais pobres, não operados da fimose e com hábitos precários de higiene.

A limpeza correta da genitália diminui as chances de desenvolvimento da doença. “A falta de informação, a dificuldade em ter atendimento médico e muitas vezes a vergonha fazem com que os homens cheguem ao sistema com a doença em um estado avançado”, diz a presidente do LAL, Marlene Oliveira.

Assim como na campanha Novembro Azul, o Instituto LAL também é responsável pela iniciativa Lave o Dito Cujo, que visa a, de forma lúdica, conscientizar a população para essa doença séria que poucos conhecem. Criada em parceria com a agência Talent Marcel, a ação se dá de forma irreverente por meio de videoclipe estrelado pela equipe do Casseta & Planeta disponível em diversos canais digitais. O perfil do Instagram conta com mais de 37 mil seguidores e cada post chega a ter mais de 4 mil curtidas.

A ação Lave o Dito Cujo estreou em 1º de janeiro de 2020. Em todos os 366 dias do ano foi postada uma ilustração com apelidos muitas vezes inusitados e nomes populares do pênis, produzidas por centenas de artistas, que contou também com a colaboração de seguidores.

No filme, Claudio Manoel, Helio de La Peña, Hubert e Marcelo Madureira contracenam com recursos de animação para ilustrar situações que remetem à higienização do pênis e o que pode acontecer quando ela não ocorre. Com o refrão “Lave o dito cujo” repetido diversas vezes, a letra da música interpretada pela trupe ainda traz frases como “Imagine perder a banana porque não lavou direito? Decapitar o palhaço, por falta de higiene?”, em uma associação direta aos “apelidos” que as ilustrações retrataram diariamente no perfil do Instagram, evidenciando a principal causa do câncer de pênis: a falta de higiene.

A Flocks, plataforma digital de canais/redes de conteúdo como Buenas Ideias e Flow Podcast, entre outros, e criadora do Meme Awards e Hub de memes, traz o Casseta & Planeta de forma irreverente e fortalece a produção dos conteúdos digitais da campanha. Para Marcelo Madureira, fundador da Flocks, “quando fui convidado a participar dessa ação eu topei na hora. Esse é um tema delicado e raramente ouvimos algo a respeito. Acredito que protagonizar essa campanha ao lado do Claudio, do Helio e do Hubert, tendo a oportunidade de alcançar as pessoas com uma mensagem tão relevante, traz uma grande satisfação pessoal”.

“Quando você vê um dado de mais de mil amputações por ano, você sente a necessidade de fazer algo para mudar isso, ainda mais quando essa doença pode ser erradicada. Como a gente está falando sobre um problema muito sério, onde os homens têm muita dificuldade de comentar sobre assuntos relacionados à saúde, principalmente íntima, que sempre foi tabu, a gente quis usar do lúdico para conscientizar sobre o assunto, já que eles inventam um monte de apelidos pro ‘dito-cujo’”, comenta Guilherme Serato, criativo da Talent Marcel.

“O projeto é resultado de um levantamento dos nomes populares que muitos homens usam para apelidar seus pênis. Cada ilustração acompanha uma mensagem para alertar sobre um tema muito sério: a saúde do homem brasileiro e, mais especificamente sobre o câncer de pênis, muito comum nas regiões Norte e Nordeste. É uma maneira lúdica para alertarmos sobre um problema sério de saúde que pode ser evitado”, explicam Serato e Leonardo Telles, idealizadores da ação.