Luiz Sanches faz um balanço do desempenho das agências e fala sobre a necessidade de diferenciação e de mais humor na propaganda

Luiz Sanches, chief creative officer da BBDO North America, sócio e chairman da AlmapBBDO, estende a cultura de uma das agências mais criativas da história da publicidade brasileira para além das fronteiras nacionais.

O trabalho começou há cerca de um ano e já rendeu frutos. Sanches voltou do Cannes Lions 2023 com 27 Leões, que vieram de trabalhos para Bayer, Pacto Global da ONU e Eletromidia, entre outras marcas. A seguir, ele faz um balanço do desempenho à frente da EnergyBBDO, BBDO Canadá e Nova York e AlmapBBDO. O executivo também fala sobre a necessidade de diferenciação e de mais humor na propaganda.

PAIXÃO
O brasileiro sempre foi valorizado pela sua criatividade. Tem ainda a questão econômica. Fica uma mão de obra qualificada e mais barata, o que é uma vantagem competitiva. Mas não só isso. O Brasil se diferencia pela sua paixão pela propaganda. Fora, eles gostam do que fazem, mas não é uma paixão, como aqui, muito parecida com o futebol.

CULTURA
A cultura criativa da AlmapBBDO é muito forte. Recentemente, trouxe meu sócio, Filipe Bartholomeu, que acredita em criatividade tanto quanto eu. É um casamento de confiança, e de saber que a agência está na direção certa. A agência se transformou em uma bússola para o mercado. Quando surgiu o convite para liderar a América do Norte, foi um desafio. A gente leva essa cultura, a nossa paixão. Quando cheguei em Nova York, estranhei. Aqui, ninguém precisa explicar o padrão AlmapBBDO, sinônimo de qualidade vindo do espírito de união de talentos, já enraizado, e agora estendido a Nova York. Antes, todos ficavam muito isolados lá. Embora tenha nos ajudado a sobreviver, o trabalho a distância colocou aos poucos a cultura da agência a perder. A convivência e a união é que perpetuam essa cultura. Hoje, cada escritório compõe cores diferentes nascidas dessa mesma paleta. Construímos um ambiente colaborativo, com processo diferenciado para analisar as ideias e criar um produto que consiga se destacar.

PROPAGANDA MONOCROMÁTICA
A propaganda está muito igual. As marcas transmitem as mesmas mensagens porque exploram as mesmas conversas. Com tudo muito monocromático e em um tom pesado, a execução passou a assumir o papel de diferenciação. Por isso que, às vezes, tenho a sensação de que Cannes é uma grande feira de ciências. Falta um pouco do que a gente faz, para virar de verdade.

DIFERENCIAÇÃO
São três passos. Entender o problema, a oportunidade de conversas e a ideia capaz de virar manchete. A discussão em níveis elevados resulta em um produto diferenciado, e o trabalho colaborativo embasa soluções para outros problemas que cercam o produto. É nosso primeiro ano com esse formato, e não poderia ser melhor. Em Cannes, foram 27 Leões, incluindo Grand Prix em B2B com “Eart4” para o Pacto Global da ONU. É mais que a metade dos 52 troféus que a BBDO ganhou no mundo. O GP trouxe um jeito diferente de abordar um assunto que todo mundo fala, que é ajudar o planeta. Ainda ganhamos destaque com um serviço prestado para mulheres que ficam sozinhas nos pontos de ônibus. Já fechamos com vários patrocinadores. Outro trabalho que mostra o caminho da diferenciação é o filme da Kombi, que lançamos com Elis Regina e sua filha Maria Rita, para Volkswagen.

REFLEXOS DA COVID-19
Na pandemia, mantivemos o quadro de colaboradores, ganhamos cerca de 14 clientes, crescemos em receita e em pessoas. O ano passado foi um momento de ajuste. Tentamos trazer as pessoas para dentro do escritório. Prédios e salas não querem dizer nada. Mas com as pessoas dentro, transformam e perpetuam a cultura da empresa. Não precisa ser no formato antigo, mas também não podemos operar só a distância. Senão, estará formando um pool de freelancers. Acho que as pessoas têm de compartilhar vivências, e estar presentes, no formato flexível. Foi o que a pandemia ensinou.

SENTIMENTOS
Não acredito que as pessoas não queiram mais ver filme. O que impacta é um estímulo em vídeo contado de forma diferenciada, seja por uma ativação, experimento ou emocionando as pessoas. Isso é a reinvenção da propaganda, com poder de engajar, tocar o coração, recriar momentos especiais. Tem o lado do humor também, que precisa ser resgatado. Tudo ficou muito chato. O fator social é um dos motivos, com as redes sociais sendo utilizadas para polarizações. Fala-se tanto em empatia, mas pouca gente pratica. Qualquer opinião contrária é bombardeada, não há diálogo. As redes sociais não dialogam. De uma certa forma, elas abastecem clusters com um ódio ou uma utopia. As marcas passaram a ter dificuldade em transitar nesse ambiente. Aí veio a pandemia, um momento delicado, de fragilidade emocional, e as marcas ficaram com medo de usar o humor. Precisamos voltar a rir juntos, e não rir do outro. Rir é uma das qualidades do brasileiro. Está na nossa música, no samba, faz parte da nossa cultura.

RESGATE
Marcas devem retomar o protagonismo, ter ousadia e coragem. Falar com o coração das pessoas. Venda é consequência de construção de marca e não de trabalhos imediatistas que temos visto por aí, de agências novas. Tudo que é novo fica velho. Boticário, Volkswagen, Havaianas são exemplos de construção de marca, que tem valor agregado. O desafio é se tornar uma nova agência para o mesmo cliente a cada ano. É por meio da criatividade que essa reinvenção ocorre. Temos consistência. Já ganhamos quatro vezes como Agência do Ano. Do Brasil, a última Agência do Ano em Cannes foi a AlmapBBDO, e quando tem Agência da Década no festival, mostra a nossa consistência e crença no trabalho.

CRÍTICA
O Brasil sempre foi um país de misturas, caloroso, alegre, receptivo, colorido e criativo. Essa criatividade vem da diversidade de pessoas. Sempre acreditei nesse colorido, e já tínhamos essa crença, na diversidade e inclusão, muito antes disso virar tendência. Mas nunca usamos isso para fazer autopromoção. Acho um erro se promover à custa de atitudes que são obrigações das pessoas. Tem de fazer, e não falar. Colocamos diversidade na nossa comunicação há muitos anos. Boticário é um exemplo. Se somos um país de misturas, a comunicação precisa refletir isso. Devemos incentivar, mas não necessariamente porque esse é um problema histórico. Isso leva tempo para equilibrar. Não dá para transformar o Brasil em um país de Primeiro Mundo em uma semana. Não acredito na autopromoção como forma de diferenciação competitiva.