Já contei essa história em algumas circunstâncias, mas acho que aqui, nunca, embora já me perca nos tantos anos em que escrevo no PROPMARK. Foi a primeira vez em que tive a minha atenção chamada para a propaganda. Deveria ter uns 7 ou 8 anos e morava com meus avós paternos. Havia, na época, um jingle com um refrão que dizia “Chimarrão gaúcho, o melhor que há…”
Estava com minha avó na cozinha, quando a melodia tocou no rádio, e ela, prontamente reagiu: “Mentiiiira!” Aquilo foi surpreendente para mim. Quando comecei a trabalhar no ramo, essa experiência me acompanhou por um tempo, até se dissolver na necessidade de acreditar no que vendia, fosse o que fosse.
Realmente, com o passar dos anos e o glamour experimentado no cotidiano profissional, a questão da verdade ou da mentira deixou de ser relevante.
Depois de 40 anos de entrega à criação de anúncios, gosto da ideia de voltar para o outro lado do balcão, o do ouvinte, do telespectador, do consumidor, desvencilhado do compromisso corporativo com a profissão e da dependência econômica de empregadores ou clientes. E, assim, resgatar a inocência e a fibra da minha avó, que rebelou-se, destemidamente, com a uma mensagem “mentirosa”.
Afinal, ela não tinha nenhum compromisso com a contratação do jinglista, com o estúdio de gravações, com o intérprete, com o cliente, não tinha “rabo preso” com qualquer dos envolvidos com aquela história. Uma situação privilegiada, hoje reconheço, quando me sinto à vontade para criticar, com o cuidado de não procurar saber quem fez o quê. Porque o privilégio de poder expressar a própria opinião prescinde absolutamente de identificar autorias do que é criticado; não é uma opinião a serviço de alguém nem contra ninguém. É apenas uma opinião sobre o trabalho em si.
Sei muito bem que não é fácil ter opinião pública quando se está na ativa, dependendo da simpatia do mercado para se manter contratável. Isso poderia ser uma verdade absoluta, não fossem alguns exemplos de profissionais muito bem-sucedidos que foram, ao mesmo tempo, críticos ácidos do trabalho alheio.
É inesquecível um artigo do Nizan (se não me engano na revista Propaganda) cujo título era “Desculpe, mas é muito ruim”, em que o criativo escancarava sua crítica ao trabalho de dois famosos concorrentes.
Da mesma forma, o Petit, com seu habitual mau humor, nunca temeu comprar briga com quem ele julgasse não merecer o cartaz que tinha: num Roda Viva, partiu pro pau com ninguém menos que o prestigiado fotógrafo Oliviero Toscani, então no auge das campanhas da Benneton.
Lembro também de uma entrevista do Washington na Playboy em que, instado a citar um profissional a quem julgasse ruim, declinou, sob a alegação de que não queria ser injusto com todos os demais. Quem sabe se, com essa coragem desaforada, não terão contribuído para que muitos de seus alvos revissem alguns critérios e tratassem de aperfeiçoar o jeito de trabalhar?
Não só eles, mas o mercado inteiro, já que eram personagens icônicas da qualidade criativa. Por falar nisso, você não acha que o mercado anda muito acrítico?
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)