Quando os primeiros empreendimentos digitais de maior expressão começaram a se estruturar, a opção pela busca de recursos financeiros recaiu sobre a publicidade, que já sustentava a quase totalidade da radiodifusão (rádio e TV) pelo mundo, bem como as várias formas de mídia exterior, e era essencial para assegurar a qualidade e a riqueza da mídia impressa.
O dinheiro, que vinha de décadas de contínuo crescimento, parecia inesgotável. Esse foi o primeiro erro de avaliação. O segundo foi imaginar que poderiam montar um negócio de informação e de entretenimento sem custos de produção, “pirateando” conteúdo das mídias tradicionais ou se apropriando da contribuição amadora dos próprios consumidores. O terceiro erro de avaliação foi esquecer que o tempo de rádio e TV era escasso, por razões legais e de autorregulação do setor, que a oferta sem limites do digital não seria um benefício, mas sim uma desvantagem.
Esses fatores foram desconsiderados na adoção do modelo publicitário fundamental da mídia digital: oferecer seu produto, que teria custo zero ou mínimo, sem cobrar dos consumidores porque se acreditava que os anunciantes pagariam por isso e o “espaço” da publicidade no digital seria infinito.
Não deu muito certo, como se sabe. Apesar do constante crescimento das aplicações na mídia digital, isso não é suficiente para tudo e para todos. Pelo contrário, houve uma concentração de receita nunca vista em outro meio no Google e no Facebook (inclusive por razões que não há espaço para comentar agora), mas a esmagadora maioria dos demais empreendimentos do setor fica sem recursos e não fatura nem mesmo, em boa parte deles, para pagar seus custos. Quanto mais para gerar alguma rentabilidade. Em muitos casos, a economia digital vem gerando receita temporária com base no capital especulativo, de forma direta através de venture capital e da quase pirâmide financeira dos IPOs ou através de aquisições hipertrofiadas de start-ups.
No campo da cobrança de receita dos consumidores está se vivendo um difícil e longo processo de convencê-los de que não há almoço com alguma qualidade que seja grátis. No campo da publicidade, o desenrolar do enredo foi ainda mais perverso.
Aconteceu o fenômeno de cobrar por resultados, mas cada vez menos. Resultados que, na prática, em boa parte dos casos, não são entregues e não são comprovados. Criou-se uma enorme ilusão sobre os resultados a partir de métricas que oscilam entre equivocadas, desonestas e mal-intencionadas.
Foi gerada uma imensa indústria de fraudes dos mais variados tipos, algumas com base em alta tecnologia e grande capacidade de atuação. Criou-se um imenso setor de intermediários e especialistas, o chamado mundo adtech, que fica com uma parcela muito grande da receita publicitária em troca de baixa precisão e controle. Os cálculos são de que cerca de 50% a 55% do dinheiro fica nessa etapa, acrescentando pouco valor à cadeia.
Gerou-se o monstro da mídia programática, que ilude os anunciantes com custos baixos e promessas de precisão raramente cumpridas, oferece perigos de todo o tipo, suga recursos das agências e entrega apenas um terço do dinheiro que entra para os publishers digitais.
Tudo isso comprometeu a receita de boa parte da mídia tradicional, incluindo aquelas necessárias para sua adequada migração para a vertente digital. A grande pergunta é se essa situação tem conserto? É importante que tenha, aliás, mas não é nada fácil de ser estruturada e precisa passar por uma refundação da mídia digital em termos de modelo publicitário. Mas isso é tema para a próxima coluna.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)