Costa: posicionamento de uma marca está absurdamente ligado ao design do que produz

 

Guto Índio da Costa, sócio e diretor da consultoria carioca Índio da Costa A.U.D.T. (Arquitetura, Urbanismo, Design e Transporte), é o jurado brasileiro de Product Design, área estreante no Cannes Lions 2014. Um dos mais premiados designers brasileiros, ele será o único representante latino-americano no júri, presidido por Donghoon Chang, vice-presidente-executivo da Samsung Electronics. Costa tem no currículo diversos prêmios, com destaque para o IDSA Idea Award e Good Design Award. Também foi jurado em festivais como o D&AD, no Reino Unido. Nesta entrevista ao propmark, o profissional fala da relevância do design de produto no posicionamento das marcas.

Design de produto
“O foco de Cannes não é mais publicidade, e sim criatividade. Dentro da indústria criativa, o design tem relevância enorme, é importantíssimo seu papel. Ele movimenta uma economia gigantesca. Todo produto comercializado tem o design por trás, e as milhares de fábricas que produzem bens de consumo estão relacionadas à movimentação do consumo e, portanto, da economia.”

Diferenciação
“Houve um tempo em que qualidade era o que diferenciava um produto do outro. A indústria suíça foi calcada na produção de relógios. Marcas daquele país tinham a precisão como grande diferencial. Quando, por meio da tecnologia, empresas começaram a produzir relógios sem a necessidade de corda e de grande precisão, esse deixou de ser um diferencial. Por que compramos relógio hoje? Não é porque um marca hora melhor do que o outro. É pelo design, é pela adequação do produto a nossa personalidade. E isso acontece em todas as indústrias. À medida que a qualidade deixa de ser um diferencial, o design passa a ser o que diferencia. Ele passou a ser o fator decisivo na diferenciação de produtos. Nesse contexto, inovação é parte crucial do design de produto. O mundo já tem um número enorme de bens de consumo. Não há razão alguma para fazer um novo produto, a não ser que ele tenha algo novo, seja na apresentação ou mesmo na forma como ele é descartado.”

Posicionamento
“O posicionamento de uma marca está absurdamente ligado ao design de seus produtos. Eles são as grandes fontes da experiência do consumidor com a marca. É com o produto que as pessoas se relacionam. E essa relação pode ser prazerosa ou não, a longo prazo ou não. Se o consumidor comprar um carro e não ficar satisfeito, não há marca que resista a essa insatisfação.”

Produto no centro
“Defendo que ele é o coração do marketing. É uma discussão que temos hoje. Acredito nisso porque, se o produto não carrega os atributos que a marca vende, todo o marketing vai por água abaixo. Se ele não carrega a promessa da marca, não há publicidade que consiga enganar o consumidor, não há marca que consiga manter seu valor. A essência de uma marca está no produto. E toda a publicidade deve enfatizar, realçar e qualificar essa essência.”

Proliferação
“A importância maior do design de produto vem da proliferação que temos hoje. A onda de dispositivos móveis trouxe isso. No caso dos celulares, a tecnologia está disponível para todos, ela é uma commodity. É possível comprar a tela, o botão, a placa e a fabricante monta. O que diferencia é o design do produto, da interface, da experiência com o objetivo.”

Questão estratégica
“Não sei dizer se apostar em design de produto é difícil. Mas exige cultura específica, que valorize o design como questão estratégica. E existe, sim, um know-how para tal, que não é muito disponível e comum, principalmente no Brasil. A questão é que essa aposta envolve mais do que somente o designer. Ela envolve também o engenheiro de produto, os processos de fabricação, a inovação de materiais. São todos elementos de uma atividade multidisciplinar. Desenvolver produto exige esforço enorme da fábrica, dos fornecedores, de toda a cadeia. Um case global interessante é o da Hyundai. Ela era uma montadora medíocre. Seus carros eram feios, antiquados, ultrapassados, sem expressão. A empresa, então, fez um esforço enorme: contratou o ex-chefe da Audi (Peter Schreyer – hoje Chief Design Officer e vice-presidente-executivo da Kia, também pertencente à Hyundai), levou o executivo para a Coreia do Sul, reformulou toda a linha, fez esforço enorme na parte de design e, hoje, o carro coreano é objeto de desejo. A Apple é outro exemplo. Mas falar dela em design de produto é quase um pleonasmo.”

Desmembramento
“Acredito que o festival desmembrou a área de Design por vários fatores (Product Design era uma subcategoria de Design até 2013). Primeiro porque design de produto é algo muito específico. Ele exige conhecimento para julgar, não pode ser generalizado dentro do Design Lions. É difícil para alguém que não seja da área de produto sacar uma inovação de material ou da forma de fazer. Por isso, os jurados dessa são especialistas em design de produto. Também acredito que Cannes tomou essa decisão porque entendeu essa atividade como estratégia fundamental de divulgação das marcas. O sucesso da Apple é exclusivo do design de produto. Seu diferencial não está na tecnologia, e sim na concepção do produto e na experiência proporcionada ao usuário. São esses os elementos que fazem a diferença.”

Soft power
“Globalmente, o design de produto se tornou uma questão tão estratégica que há países com equipes de promoção especial para a atividade. Tenho sido jurado de muitos prêmios internacionais, em países como Alemanha, Itália e Reino Unido. Vejo que existe um movimento muito forte globalmente, com destaque para os países asiáticos, que vêm investindo em design de maneira agressiva para promover seus produtos. Há marcas que nunca vimos e que estão aparecendo agora porque têm feito um bom trabalho em design e, em breve, irão disputar mercado em escala global. O Reino Unido, a Coreia do Sul e a China são alguns países que vêm formando e desenvolvendo grupos imensos para promoção do design. A China é a maior fabricante do mundo, mas ainda não tem design de qualidade. Por isso, raramente vemos empresas chinesas atuando globalmente. E é para resolver essa questão que ela tem trabalhado a disciplina. Saber fazer um produto é fácil. A questão é como fazer um produto para o consumidor. É nisso que o design faz a diferença: na estética, no gosto.”

Liderança
“A Itália tem um histórico de design especial. A Inglaterra possui escritórios internacionais, os países nórdicos fazem um trabalho minimalista, têm uma identidade muito forte e marcada. Uma das marcas importantes da Dinamarca é a Bang Olufsen que, desde os anos 1960, teve no design o seu diferencial. Seus produtos sempre têm altíssimo valor agregado. Os japoneses, durante algum tempo, tiveram sucesso fazendo design com linguagem muito específica. Vejo agora a ascensão da Coreia do Sul. Suas quatro maiores marcas – Hyundai, Kia, Samsung e LG – respondem por metade da economia do país. O design coreano tomou uma importância imensa. Eles estão investindo e formando gente, importando profissionais, contratando pessoas de primeira linha.”

As subcategorias
“Para um primeiro momento, essa divisão está boa [Product Design tem quatro subcategorias – Bens de Consumo, Bem-estar e Impacto Ambiental, Solução e Interface]. Penso que teremos bastante inscrições, inclusive do Brasil. A indústria brasileira de design está crescendo e participando de prêmios internacionais, muito mais do que há cinco anos. O total de prêmios que conquistamos denota isso.”

Indústria criativa
“Já existia entendimento da importância do design como um todo. Mas, cada vez mais, percebe-se e comprova-se a importância e o valor estratégico das atividades criativas. Esse é um movimento muito positivo, que só irá fazer bem para a indústria publicitária.”

Primeira vez
“Será minha primeira vez em Cannes. Meu escritório já participou do festival, com a própria Abedesign (Associação Brasileira das Empresas de Design), mas eu nunca fui. Assisto às campanhas do evento pelo trabalho da associação.

Brasil
“Há várias marcas brasileiras extremamente conectadas a esse tema. Em diversos segmentos temos exemplos de companhias fazendo trabalho de qualidade. Uma delas é a Movement, líder no segmento de equipamentos fitness, que tem tido uma atuação excepcional na área de design de produto, disputando mercado com empresas internacionais. Entre companhias de maior porte há a Whirlpool, com equipe de design fazendo um trabalho interessante, assim como a Electrolux. Outras marcas de destaque são a Fiat, que tem desenvolvido bons projetos, além de Natura e Grendene. Ela se tornou global ao trazer designers internacionais para desenhar seus produtos e apoderou-se, de maneira interessante, do mercado de calçados de plástico. Já a Embraer transformou o interior dos aviões. No mercado náutico, a brasileira Intermarine vem fazendo projetos de excelente qualidade, de nível internacional.

O júri
“Tenho algumas diretrizes sobre o júri, normas e regras. Mas não sei se haverá algo muito específico. Em princípio, iremos receber as peças e faremos a análise do produto fisicamente. É assim que acontece em todos os festivais de design no mundo todo. Se o produto for muito grande, talvez analisemos a partir de uma descrição sobre ele. Tem havido algumas reuniões dos jurados brasileiros, muita interação com a diretoria de Cannes e bastante comunicação com os outros jurados. No momento, existe uma grande curiosidade sobre o que haverá no festival.”