A beleza do encontro é minha maior nascente de inspiração. O encontro com o outro e consigo mesmo, num fluxo constante de transformações. Conto por aqui um dos episódios que expandiram os meus horizontes internos. 

Janeiro de 2013, Índia – No Sul do país, em uma comunidade chamada Auroville, conheci um jovem japonês chamado Motohiro. Na época, entre canções improvisadas ao violão, ele me ensinou (sem querer ensinar) sobre o foco na fotografia. Contava-me como tudo o que enxergamos (na vida) traz uma simples questão de proximidade, contato e distância. Tudo aquilo me fazia profundo sentido, mesmo sem entender muito o porquê.

Corta para dezembro de 2016, Brasil – Meu irmão, minha irmã e eu quisemos dar de presente para nossos pais algo que sempre foi um sonho de vida para eles: uma viagem ao Japão. Marco, 72 anos, e Sumiko, 63, são descendentes de japoneses e nunca haviam visitado a Terra do Sol Nascente.

Apesar de o sonho ter despertado, meu pai preferiu que fôssemos “mais pra frente”, pois estava cheio de complicações financeiras e não iria aproveitar. Na época, ele estava cego de um olho. Ok, decidimos não ir.
Corta para fevereiro de 2017, Brasil – Numa manhã cotidiana, meu pai acorda com o segundo olho embaçado. Minha mãe desespera. Em família, todos pensamos: “vamos para o Japão”. Pouco tempo depois, compramos a passagem para maio.

[Pesquisando os locais que visitaríamos, lembrei do Motohiro. Nos falamos e descobrimos que, sincronicamente, ele era da mesma cidade da minha avó paterna: Gunma. Pedi para ele ver se encontrava alguém de nossa família por lá. Ele foi até a prefeitura ver os registros familiares, mas não encontrou. Semanas depois, encontramos um cartão com o nome de uma mulher que poderia ter alguma referência da minha avó.]

Maio de 2017, Japão – Meu pai, minha mãe e eu estávamos hospedados na casa de Motohiro, quando ele liga para a mulher misteriosa do cartão e marca um encontro.

[95 anos depois de minha avó, Shigueru, ter partido do Japão em um navio para o Brasil, estávamos lá, na mesma cidade em que ela nasceu. Lembrei-me muito das milhares de borboletas monarcas que migram de um país a outro durante três gerações – nenhuma percorre todo o percurso em vida].

Chegamos à casa dela ansiosos, receosos e tentando ser gentis. Enquanto tirávamos os sapatos, ela nos olhava séria e desconfiada. Na sala, meu pai contou que estávamos procurando alguém da família. A mulher sai da sala em silêncio. Minutos depois, ela espalha na mesa um monte de fotos antigas. Começamos a olhar e remexer as fotos quando, de repente, encontramos ali no meio uma foto de casamento de meu pai e minha mãe! Ela era uma prima da minha avó! Meu pai ergueu a mão e disse: “Somos da mesma família, muito prazer”. Entre lágrimas e surpresa, ela nos ofereceu várias comidinhas japas. O gelo tinha finalmente quebrado.

Papo vem, papo vai, entre português, inglês e japonês, e ela nos convida pra ir conhecer a casa de seu irmão. Entramos todos apertados em um carro pequenininho e partimos. Em frente à tal casa, muito antiga, simples e tradicional, ela nos conta que ali havia nascido a mãe do meu pai. Ficamos inebriados. 

Entramos na casa. Um casal de velhinhos muito simpáticos, um chá sendo esquentado em um foguinho no chão, um gatinho de estimação e muitos bichos de seda – o casal produz roupas feitas a mão em parceria com os bichinhos. A velhinha, que era amiga de minha avó, sentou ao meu lado, pegou a minha mão e começou a me contar histórias. De dentro do ninho de onde minha avó nasceu, eu escutava àquelas palavras em japonês sentindo um estranho conforto e liberdade, como uma brisa na alma.

Pouco depois, alguém lhe disse: “Ele não fala japonês, viu?”. E ela disse: “Não importa… Coração com coração e nos tornamos um”. Bateu em seu peito, bateu em meu peito, e fez sinal de 1. Antes de irmos embora, pegou em minha mão, olhou fundo em meus olhos e disse: “Na minha próxima vida visitarei o Brasil, você cuidaria de mim?”. Eu aceitei.

Setembro de 2018, Brasil – Hoje, meu pai está com o segundo olho embaçado, mas nos enxergamos mais. Um dos grandes sonhos da minha vida é dirigir um longa-metragem, e gostaria muito que ele visse. Após tudo o que aconteceu no Japão, terra de nossos ancestrais, compreendi que o reconhecimento que tanto já busquei não virá pelos olhos, mas sim pelo coração. É dali que vem o verdadeiro encontro, a inspiração primordial, onde a distância, o contato e a proximidade se tornam uma coisa só. “Kokoro to Kokoro” (coração com coração), ressoa constantemente dentro de mim, entre flores, chás e uma fina voz.

Andre H. Saito, da dupla Kid Burro, é diretor de cena da Stink Films