Escritor da mais respeitada obra atual sobre roteiros, Robert McKee esteve no Rio de Janeiro na última semana para participar de um encontro com 250 roteiristas na Globosat, que foram selecionados entre 1.200 candidatos. Durante quatro dias, o norte-americano comandou o seminário “Story”, mesmo nome do seu famoso livro. Essa foi a primeira edição do “Programa Globosat de Desenvolvimento de Roteiristas”. McKee é consultor de projetos das maiores companhias de produção de cinema e TV. Um pouco cético com a tendência de storytelling como estratégia de branding, ele afirma que o problema é encontrar redatores para executar ideias boas e verdadeiras e que o segredo está sempre em uma boa história.
Storytelling
“Eu costumava dar uma versão compacta do meu seminário em agências de propaganda, não tenho feito muito isso ultimamente. Frequentei bastante a Madison Avenue. A propaganda está muito interessada em storytelling, e muitas vezes tem o desafio de contar tudo em 30 segundos. Trata-se de uma ambição nobre da propaganda e das marcas, elas são inteligentes em ir para essa direção. A cada dia, se convencem mais da importância de uma história no branding e no marketing como um todo. Porque a mente é uma máquina de contar histórias. Portanto, histórias são a chave. O problema é: quem vai escrevê-las? A questão é contá-las.”
A era da informação
“Estamos numa era de excesso de informações, de constante inovação na tecnologia, de consumidores volúveis. Não há mais fidelidade a marcas. Pessoas pulam de uma coisa à outra com facilidade. Todos estão aterrorizados. Marcas e empresas sabem que storytelling é o caminho, mas terão que encontrar o talento, profissionais disciplinados e trabalhadores que possam transformar conteúdo em histórias capazes de cativar. Eles estão se dando conta de que não há tanto talento assim no mundo. Ajudei alguns dos meus amigos roteiristas em Hollywood a ter carreiras de grande sucesso trabalhando diretamente com empresas. Eles estão indo muito bem, saíram da loucura de Hollywood e entraram na relativamente sã realidade das corporações.”
Marcas e cinema
“Não gostei do filme ‘Náufrago’ com Tom Hanks, construído em torno da marca Fedex. Minha primeira reação foi: então quer dizer que alguns pacotes nunca chegam ao seu destino? Não acho que o filme tenha ajudado a Fedex. Mas o que penso a respeito: não creio que esse tipo de estratégia inspire a escrita verdadeiramente boa. Acaba-se com histórias capengas como ‘O Náufrago’. Se alguém chegar para um escritor e pedir uma história que tenha como protagonista, de alguma forma, uma marca, e que lhe dê um brilho positivo, acredito que talvez a maioria dos roteiristas diga ‘não ligo a mínima para a marca, mas pego a grana’. E escreverão algo capenga. Mas há escritores – se as empresas os encontrarem – que pegarão essa missão como um desafio realmente fascinante. Tudo depende de um casamento entre um escritor e uma marca que resulte em inspiração.”
A força da televisão
“Eu acredito que a televisão como forma de arte é o futuro. A televisão tem a grande vantagem da duração. A complexidade dos seres humanos não pode ser abordada em apenas duas horas. Dentro das possibilidades do storytelling, o filme é como um curta perto de uma novela. O teatro também é uma forma pequena comparada ao que podemos fazer hoje na TV, durante 200 horas. Sem exaurir os personagens. A natureza humana é bem mais complexa e as relações humanas são muito mais dinâmicas e flexíveis do que até o melhor escritor já conseguiu reproduzir. De repente ‘Guerra e Paz’ parece uma primeira temporada! Penso que a televisão é um futuro maravilhoso, cheio de oportunidades para o storytelling feito com uma profundidade e uma magnitude nunca antes experimentados.”
As novelas brasileiras
“Conheço as novelas brasileiras. Conheci ‘Avenida Brasil’. Nos Estados Unidos, fazemos a mesma coisa. Temos séries de TV como ‘The Sopranos’, que teve 88 horas. Uma novela típica brasileira tem o dobro do tempo. Mas no formato brasileiro, você distribui os capítulos ao longo da semana. Nos Estados Unidos, exibimos uma vez por semana. Ao acabar, tanto a novela quanto a série vão para uma caixa para que as pessoas possam comprar e assistir todas as noites. Acho o formato maravilhoso.”
Os anti-heróis
“Não há mais heróis ‘verdadeiros’ porque eles nunca foram verdadeiros. As pessoas gostam de personagens que matam, que roubam, que traem. Heróis verdadeiros são idealizados. Há dois grandes impulsos no storytelling: a maneira otimista de contar a história, como a vida deveria ser, idealisticamente, e o ponto de vista pessimista, ou realista/otimista, que conta histórias como elas realmente são. Acredito que o que aconteceu, naturalmente, é que o idealismo se esgotou. Apenas pessoas muito jovens ainda amam os heróis. Por isso há personagens como o Mr. White, de ‘Breaking Bad’, a Nurse Jackie, o Dexter. E sempre há a promessa nessas histórias de que esses personagens obscuros vão de alguma forma amadurecer, mudar e se tornar pessoas melhores, não perfeitos, mas de alguma forma mais maduros, mais conscientes de si mesmos. Sempre existe a esperança.”
Possibilidades infinitas
“Meu conselho para os escritores não muda. No fundo, o segredo está sempre em uma boa história. Os fundamentos nunca mudam, mesmo com novos formatos, tecnologias, plataformas. Você tem que sentar e produzir. Tem que ser um profissional. Se ganha dinheiro por isso ou não, você tem que trabalhar como um profissional. Sentar na cadeira e fazer o trabalho dia após dia. E trabalhar contra o tempo até finalmente ter uma boa ideia. Isso nunca vai mudar. O que mudou é que as oportunidades se ampliaram. Há mais storytelling sendo feito, em diferentes mídias. Aumenta a complexidade e a magnitude do storytelling. As séries de TV tornam as possibilidades infinitas. Ao mesmo tempo, os estilos não são mais puros. Veja ‘Avenida Brasil’: a dramaticidade, o espírito, era de comédia. Mas o material era obscuro, dark. Não há mais limites para a imaginação. Há mais oportunidade do que nunca. Mas no fundo, o trabalho é o mesmo.”
O poder do escritor
“A cadeia produtiva e a distribuição das obras são coisas para os agentes se preocuparem. Não são problemas dos escritores. Nós comandamos tudo. No negócio do cinema e da TV, apenas os escritores importam. Os produtores se acham importantes, mas eles são caras com um script embaixo do braço. Diretores são pessoas que dirigem algo que foi escrito por um roteirista. Os escritores/roteiristas são as únicas pessoas realmente importantes. Se você sabe contar uma história com originalidade e criatividade, sempre terá trabalho e seu futuro está garantido.”