Quem nunca parou para encontrar o Wally em meio ao caos de cores e imagens que atire a primeira pedra. Confesso que, ultimamente, por estar presente como convidado nos tradicionais eventos da publicidade de fim de ano, me pego na brincadeira de encontrar o Wally.
No entanto, nesse caso, a tentativa é encontrar outros publicitários pretos nos espaços majoritariamente brancos. A percepção não é mera coincidência. Segundo o estudo feito pelo Gemaa (Grupo de Estudos de Ação Afirmativa) da UERJ e divulgado pela Folha de S.Paulo, a publicidade ainda é composta por 78% de pessoas brancas. E isso fica bem nítido quando juntamos os clientes e as agências em um mesmo local.
O baixo número de pessoas pretas nas principais agências do país faz com que tenhamos campanhas com os mesmos defeitos de anos após anos, além de diminuir o ROI de sua ação. Não entendeu? Vamos analisar alguns dados! Uma pesquisa realizada pela Accenture Strategy apontou que 83% dos brasileiros compram de marcas com as quais compartilham seus valores pessoais. Portanto, você acha mesmo que os brasileiros pretos estão tendo uma identificação com suas campanhas cheias de estereótipos ou com pouca proporcionalidade?
Se você achou que eu iria terminar o parágrafo anterior com representatividade, achou errado! Afinal, quero muito acreditar que o conceito de “precisamos ter representatividade nas campanhas” tenha ficado lá em 2016, quando nomes como Samantha Almeida, Felippe Guerra, Helena Bertho, Christiane Silva Pinto e Camila Novaes, entre outros profissionais, propagavam a notícia óbvia sobre a falta de profissionais pretos nas agências e clientes. Meu sonho é que a pauta da vez seja proporcionalidade, afinal, dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é preta. Então, que sejamos no mínimo 54% dos profissionais pretos nas agências e clientes desse meu Brasil, não acha? Agora, voltemos na tentativa de encontrar o Wally! No dia 4 de novembro, a Maíra Azevedo, a Tia Má, que inclusive faz parte da iniciativa #WakandaIsHere, da Mynd, viralizou mais uma vez com o seguinte texto: “Amo esse hábito de gente preta… a gente se olha, se cumprimenta com um aceno de cabeça, um sorriso (mesmo de máscara), sem nunca ter se visto na vida! Ainda mais se a gente estiver em espaços que somos poucos… é a troca de olhar do reconhecimento!”.
Confesso que esse “cumprimento de gente preta” que ela retrata tão bem em poucas palavras é feito com alívio por mim e por outros profissionais quando encontramos outros pretos potências nos lugares que frequentamos. Afinal, alegria de profissional preto é enxergar outros pretos nos eventos e nas reuniões que frequentamos. Por isso, estou aqui para te fazer refletir sobre “Onde andam os Wallys?”. Por onde andam os profissionais pretos nos eventos mais badalados da publicidade? Por onde andam os profissionais pretos envolvidos nas peças aplaudidas (geralmente por mãos brancas)? Por onde anda essa representatividade pregada em novembro nos posts das redes sociais das principais agências e clientes do país?
Em outubro de 2020, eu escrevi nesse mesmo veículo a seguinte frase: Parafraseando Martin Luther King Jr, “Eu tenho um sonho” e vou enxergar cada vez mais pretos na publicidade, na medicina, na televisão, sem ninguém ter nivelado por baixo a disputa, mas sim por merecimento. E um ano depois, eu finalizo por aqui com essa reflexão e espero que ela sirva também para vocês pensarem. Afinal, já diziam os poetas: “Se a coisa tá preta, a coisa tá boa”. E, ultimamente, a coisa anda muito branca por aí.
Julio Beltrão é head do núcleo de Pretos da Mynd, agência de marketing de influência e entretenimento (julio.beltrao@mynd8.com.br)