“Walk in stupid every morning”. É com essa mensagem, algo como “entre burro todos os dias”, que as pessoas são recebidas na Wieden+Kennedy de Londres. É um convite para os profissionais da agência deixarem tudo que sabem (ou, principalmente, que pensam saber) do lado de fora do número 16 da Hanbury Street. Foi com essa filosofia que a W+K londrina criou campanhas como os clássicos Grrrrr e Cog, para a Honda, e, mais recentemente, o premiadíssimo Nothing Beats a Londoner, para a Nike.

Em uma agência de pharma, mesmo que você não queira, eu posso garantir: você vai entrar burro todo santo dia. Digo isso da altura do meu 1 ano e três meses de burrice diária na Area 23, em Nova York. Com raríssimas exceções, os produtos anunciados pelas agências focadas em saúde não são usados pelos criativos que trabalham nelas. Em uma agência de consumer, é comum isso acontecer. Afinal, os publicitários têm contas em bancos, dirigem carros, usam creme hidratante, fazem compras em lojas, bebem cerveja e comem fast-food (mais do que deveriam, aliás). Mas, ainda bem, poucos têm psoríase pustular generalizada, mieloma múltiplo ou gota. Ou seja, na publicidade de medicamentos, a experiência pessoal e as ideias preconcebidas têm o mesmo valor de um placebo: nenhum.

Quem quiser criar algo relevante para o tratamento dessas doenças (ou de qualquer outra), vai precisar ter muita curiosidade, vontade de aprender e boa dose de empatia. Para a curiosidade e a vontade de aprender, as agências já desenvolveram um remédio eficaz. Em pharma, os briefings incluem quase sempre uma aula, chamada de medical 101, onde é ensinado tudo sobre o mecanismo da doença e a maneira como os medicamentos agem. A não ser que você seja um médico que se descobriu criativo (por incrível que pareça, isso existe), tudo vai ser uma grande novidade. A cabeça chega a doer de tanto conteúdo (o nome técnico dessa dor é cefaleia, me ensinaram).

Ao aprender que o tratamento da fibrose cística inclui um colete que emite uma alta frequência para soltar o muco acumulado no pulmão, a dupla de criativos David Adler e Pam Savage criou o Sick Beats, ganhador de dois GPs no último festival de Cannes. Segundo o dicionário, que não por acaso é conhecido como o pai dos burros, “empatia” é a habilidade de imaginar-se no lugar de outra pessoa, de compreender os sentimentos, desejos, ideias e ações dela. Não é difícil se colocar nos sapatos de quem quer trocar de carro, comprar uma casa ou beber cerveja. Agora, tente fazer o mesmo com alguém lutando contra Alzheimer, bexiga hiperativa ou afasia. Haja empatia.

Ao se colocar no lugar de pacientes que sentem coisas que nós, felizmente, nunca sentimos, a dupla Chris Bernesby e Joe Capanear criou uma série de filmes mostrando como é difícil a vida de pessoas com infecções por micobactérias não tuberculosas. Empatia que rendeu um Wood Pencil no D&AD e um Leão de prata em Cannes. Para fechar, voltamos à Wieden+Kennedy. Segundo um dos fundadores da agência, Dan Wieden, “quando você não sabe algo, você tenta desesperadamente descobrir. Mas, no minuto em que você pensar que sabe, que parar de aprender, de questionar, e começar a acreditar na  própria sabedoria, você está morto”. Desde dezembro de 2020, eu tenho me sentido mais vivo do que nunca. Mas você não precisa trabalhar em uma agência de pharma para se sentir assim. É só escutar o conselho da W+K: entre burro todos os dias.

Victor Afonso é VP Associate creative director da Area 23, NY
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