Muito além de qualquer invenção, a Revolução Industrial do século 19 nasceu para responder a uma ideia: todo trabalho repetitivo será substituído por máquinas, mais precisas, mais rápidas, mais produtivas e não reivindicatórias. Máquinas não sofrem, não pedem e não reclamam.

O trabalho repetitivo é todo aquele que prescinde de raciocínio, ponderação e análise para ser executado. É apertar parafusos, digitar textos, preencher planilhas, calar nas reuniões, ler em diagonal, jogar Minecraft e rolar miseravelmente as redes sociais inventadas para sequestrar o tempo. Como as máquinas, os algoritmos existem para substituir o ser humano em suas tarefas repetitivas.

Todo algoritmo, vendido (e comprado) como uma extraordinária inteligência, é só um conjunto finito de regras que, aplicado a um conjunto finito de dados, resolve um problema. Um algoritmo não tem inteligência: tem método. Tanto o algoritmo que seleciona respostas a uma pergunta – o Google – quanto a máquina que nos propulsiona sem nos cansar – a locomotiva – são fantásticas invenções.

É claro que, na observação microscópica dos fenômenos, ainda podemos preferir encontrar respostas na enciclopédia impressa: esta não veiculava coisas erradas, não viciava e não tinha propaganda. Mas tais conclusões são estreitas. Não podemos mais viver felizes sem algoritmos. Com exceção dos luditas e outros veganos, a volta às cavernas é uma opção de vida trabalhosa e cara.

A questão perturbadora, contudo, é perguntar o quanto nosso trabalho pode ser substituído por um algoritmo. Ou, mais radicalmente, quando nosso trabalho poderá ser substituído. Mas estávamos falando de trabalhos repetitivos. Vale, então, reformular a questão: em vez de “o que pode ser substituído no trabalho?”, talvez seja melhor perguntar “o que é repetitivo nele?”. Ou, ainda, indagar “o que não é repetitivo no meu trabalho?”. Pois não é repetitivo tudo aquilo que é novo, original e diferente. Ou, claro, não é repetitivo tudo aquilo que é criativo.

Não é repetitivo tudo aquilo que é feito pela primeira vez, que não foi ousado ainda, que se atreve. Não é repetitivo tudo o que contraria o status quo, as regras, as pesquisas, os dados, o passado, o senso comum, o conveniente, o responsável, o bem-pensante, o correto, o normal, o briefing.

Não é repetitivo tudo aquilo que diz “não” ao conjunto finito de regras que, aplicado a um conjunto finito de dados, resolve um problema. Não é repetitivo o que difere da solução do algoritmo. As máquinas, os algoritmos, as ferramentas e as inteligências artificiais não são inimigas: elas são referências ou, se preferirem, a régua ou o estímulo para que o trabalho seja melhor ou diferentemente melhor – portanto, criativo.

É um desafio danado, mas é melhor sentir esse frio na barriga do que rezar pelo adágio do “tomara que eu morra antes”, que já matou tanta gente antes da hora.

Bartleby (de Bartleby, o Escrivão, do escritor estadunidense Herman Melville) é um funcionário-padrão. Todos os dias, acorda, veste-se e vai trabalhar em um escritório qualquer de contabilidade, mas poderia ser de propaganda. Ele faz o que mandam e preenche seu timesheet, todos os dias, com a mesma competência. Um dia, ele resolve “não”: “I would prefer not to”. “Não” fazer como todos os dias. Desobedecer: “I would prefer not to be a little reasonable”. O “não” de Bartleby é o começo do “sim” redentor.

E, sempre que a gente se sentir desencorajado pelas distopias do Vale do Silício, lembramo-nos da utopia de Melville: “Ah humanity!”. “Machines have less problems”, disse Andy Warhol. E acrescentou: “I want to be a machine”.  Do you?

Fernand Alphen é CEO da Fbiz
falphen@fbiz.com.br