Accountability não tem tradução literal para o português. E abrange mais do que tradução literal de “responsabilidade”.

É acima de tudo uma atitude, vem de dentro para fora, significa pensar e agir de verdade como dono de um negócio e gerar resultados. Tem a ver com envolvimento, iniciativa, com estar atento ao todo e a ter autonomia e protagonismo, com a responsabilidade diante de algo maior e com a coragem de ir além e questionar o status quo. Simboliza também virtude, fazer o bem para o outro e estimular no outro aquilo que ele tenha de melhor.

Uma atitude que, pela prática, acaba florescendo e aborda o fato de o profissional ter consciência de seu propósito e alinhá-lo a um conjunto de valores, e o que está sendo pedido pela organização em que trabalha. Parte daquilo que é próprio da pessoa e se conecta com a necessidade de contribuir com o todo. Isso faz com que alguns comportamentos surjam a partir dessa integração, desde iniciativa, o ímpeto de ir além, de propor questionamentos, ousar, tomar riscos.

É um tema importante de alto impacto nas estruturas corporativas. Segundo um estudo global da Lee Hecht Harrison, feito com mais de 2 mil executivos, 73% dos respondentes afirmam que accountability é uma mentalidade extremamente importante para a liderança. Porém, apenas 25% dos consultados notam essas características entre
pessoas com cargos de liderança nas empresas. É aqui que começa o problema.

Parte dessa discrepância tem relação com a forma como as empresas deixam claro processos e objetivos, comunicação dentro da empresa ou mesmo a estrutura de papéis e responsabilidades adotada. Principalmente, se relaciona ao alinhamento de informações sobre o que é esperado das contribuições individual e coletiva dos profissionais.

O modo de operar das empresas e lideranças que priorizam “correria” — onde “tudo é urgente” — guia funcionários a um patamar de mera execução. Há casos em que o líder pode até ser accountable, mas ele não consegue levar isso para as equipes ao ser consumido por uma rotina desenfreada.

A mesma pesquisa aponta alguns vetores que ajudam as pessoas a desenvolver a postura accountable, partindo da clareza, da comunicação, do diálogo e do alinhamento. Esses pontos estimulam o senso de pertencimento nos funcionários e líderes e elevam a motivação em contribuir e comprometer. Ambientes em que há baixo accountability,
praticamente não se abre espaço para o que é o essencial: diálogo, tempo para o outro, identificar contextos sobre tudo que está acontecendo. A clareza gera o compromisso.

Fato é que a relação com o trabalho vem mudando radicalmente, as pessoas não querem trabalhar para as empresas, elas querem trabalhar com as empresas. As novas gerações possuem senso crítico ou estão a caminho de desenvolvê-lo, têm um olhar para o mundo e para sociedade diferente das anteriores. É crescente a vontade dos colaboradores em querer ter o entendimento e não apenas receber um comunicado “de cima para baixo”.

Ouso a dizer que accountabillity transformaria totalmente a mentalidade e a forma com que as empresas operam hoje. Mas, infelizmente, vivemos uma realidade distante no cotidiano dos negócios. Existe um padrão tóxico, totalmente contrário a esse conceito, pelo qual não existe espaço para contextualização — locais nos quais os porquês de certas ações simplesmente não são explicados. O conceito de accountability não combina com o “dar um jeitinho aí”, dar uma “ajudinha aqui” e não cai bem com o “procurar culpados”. Gerar resultados saudáveis sim, mas não a qualquer custo, não terceirizando responsabilidades, não suprimindo o valor do trabalho do outro.

A ideia de ir sempre pelo caminho mais fácil provoca desgastes profundos, impactos negativos imensos em produtividade, eficácia, clima organizacional, engajamento e na motivação das equipes. Sem contar no aumento de estresse generalizado, alto índice de tarefas sendo refeitas e consequências graves ao desempenho financeiro.

Estar à frente de negócios, ocupar um cargo de liderança vai muito além do status profissional. Representar uma empresa, inspirar colaboradores é zelar por relações saudáveis com parceiros e fornecedores. Ser “dono” não significa propriedade, é ser um dono moral, ou seja, denota assumir as responsabilidades da própria agenda, preocupar-se com o bem das instituições e da relação com as pessoas. É um conjunto de atitudes pessoais simples e coletivas, é base, é educação, é cultura — ou deveria ser.

Nas minhas reflexões sempre me questiono: quais empresas e relações profissionais eu quero ter? Gostaria muito que vivêssemos em uma “bolha de accountability” e disseminar no mundo dos negócios laços mais sustentáveis, respeito às parcerias de negócio, mais responsabilidade e consciência ética em decisões tomadas individualmente, pelo outro ou em conjunto. Ainda consigo acreditar, mesmo me deparando com uma realidade dura no mercado, que, no mundo dos negócios, é possível que a postura accountable seja mais disseminada.

Para isso, podemos começar por substituir a culpa por um foco maior em definir papéis e expectativas de forma clara, deixando de procurar pessoas que ajam como vítimas para ter uma equipe que tenha o senso de responsabilização. A mudança de pensamento, naturalmente, já favorece o espírito de colocar as mudanças em prática em detrimento
de um discurso em vão, defensivo ou até mesmo que transfira responsabilidades. Tal noção de coletividade é um convite a executivos a repensarem o status de seus cargos em prol de desenvolver mais conexão com os funcionários, zelando por uma empresa mais coletiva e com mais empatia.

Clarissa Da Rosa é uma das fundadoras da Muta Ecossistema