Faz algum tempo, a criação vem perdendo protagonismo para o jurídico na propaganda. O caso mais recente envolveu o que era para ser a grande estreia na relação da agência com seu novo cliente.
Só que deu ruim. A engenhosidade da ideia, característica do novo processo criativo, que substituiu a espirituosidade, acabou esbarrando em sua complexidade. Tratava-se de utilizar criação artística de terceiros, numa adaptação para propósitos comerciais.
Poderia ter funcionado, como costuma acontecer quando os envolvidos são artistas de obras mais ordinárias, para quem ganhar dinheiro com o consumo da obra por seu público ou com o uso comercial da obra pelo
marketing de marcas é a mesma coisa.
O importante é o dindim pingar. No caso, foi diferente. A propaganda teve de lidar com artistas de outro padrão, profissionais que trabalham com propósitos que vão além de promover bebedeiras ou rebolados.
Não é simples. São idiomas diferentes. Para a publicidade, a ideia matadora é imperdível. Era o caso. A ideia era matadora e imperdível.
De tão matadora e tão imperdível, diante de percalços, acabou atirando no próprio pé. Por tradição, corremos esse risco. Não costumamos perder uma ideia imperdível por princípio, mesmo que a tenhamos de perder por fim.
Corremos o risco porque nos confrontamos com questões inerentes ao poder e à vaidade, essência do nosso negócio. Temos de demonstrar segurança o tempo todo. Não se perde uma boa ideia aprovada, sobremaneira se a verba estiver aprovada. Vai-se até o fim. Não há combinação mais irresistível do que uma boa ideia aprovada, casada com uma boa verba aprovada. Se precisar, rolamos no chão com o próprio diabo. Só que, às vezes, o diabo ganha. Nesse caso, o diabo ganhou.
Difícil de engolir, afinal, não somo ingênuos, estamos acostumados a lidar com as manhas e as artimanhas dos atores do mercado. Eles jogam um jogo a que dominamos. Por isso, podemos dizer ao cliente “fica frio”.
Mas, aí, surpresa! Os critérios com que nos deparamos são outros, se trata de gente que (pasmem!) não depende de nós para alcançar seus objetivos.
Já estão lá por outros meios, novos meios, gente que, inclusive, costuma manter de nós uma distância segura. Tudo isso é novo. Pisamos em falso, somos obrigados a um inédito exercício de humildade, contrariado, sim, mas necessário.
Aprendemos que o nosso poder começa a conhecer limites, que já não podemos tocar em frente para depois resolver, porque acreditávamos saber como resolver.
Não, não sabemos, porque ainda estamos condicionados a certas práticas, a certos vícios, a certos confortos. Precisamos aprender que a arte genuína e engajada não busca conforto.
Ela fala uma língua a que precisamos aprender a compreender, antes de arriscarmo-nos a nos valermos dela, como instrumento de nossos objetivos meramente financeiros.
E, mais importante, jamais devemos tratar esses supostos parceiros como frágeis numa disputa entre o atendimento de nossas decisões e sua capacidade de resistência. Quer um conselho? Sugerir ideias próprias, como fazíamos.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com