Cannes tem esse poder curioso: reúne o que há de mais avançado na linguagem das marcas, mas também nos lembra que a essência da boa comunicação nunca mudou tanto — e talvez por isso, nunca tenha sido tão desafiadora.
Em 2025, o que mais chamou a atenção no festival não foi a explosão de formatos ou o brilho de recursos tecnológicos. Foi o oposto: a contenção. A inteligência criativa usada com medida, a escolha pelo simples, o impacto que vem da delicadeza — e não do excesso.
Chamou a minha atenção a forma como muitas campanhas souberam usar o silêncio como força narrativa. Peças que dispensaram logotipos ou explicações, confiando na leitura visual e no contexto. Esse tipo de escolha revela não só domínio técnico, mas também coragem: abrir mão do excesso para entregar clareza.
Em outra frente, vi movimentos consistentes de marcas que conseguiram transformar cultura digital em conteúdo educativo e relevante, sem perder timing nem empatia. O que era ruído, virou oportunidade de tradução, com responsabilidade, escuta e intenção.
Também foi possível perceber uma inteligência lúdica se reposicionando — não como fuga da seriedade, mas como estratégia de engajamento genuíno. Algumas experiências interativas usaram o humor com medida, brincaram com linguagem, apostaram no som ou no gesto — sem cair na superficialidade. Foram propostas simples, mas sofisticadas na construção e absolutamente coerentes com o que essas marcas são.
Na camada mais conceitual, o uso da tecnologia também amadureceu. A inteligência artificial apareceu em muitos painéis e cases, mas o que realmente chamou a atenção foi sua integração natural com o processo criativo. Quando usada a serviço da ideia — e não como vitrine —, a IA mostrou seu real potencial. E isso, por si só, já diz muito sobre o momento criativo que estamos atravessando.
O que Cannes 2025 me revelou foi menos celebração da forma, e mais precisão na entrega de significado. Não se trata de empilhar recursos ou conceitos, mas de comunicar com intenção — e isso passa por decisões difíceis: o que deixar de fora, onde parar, quando calar, como escutar.
Foi ao longo das conversas, entre corredores e apresentações, que me dei conta de algo: as campanhas que mais me marcaram não foram as que pediram atenção — foram as que conquistaram a escuta. Algumas com silêncio, outras com humor, todas com clareza.
Essa talvez seja a provocação mais importante que o festival deixa neste ano: comunicar bem não é amplificar — é refinar. E talvez esse seja o maior desafio do nosso tempo: resistir à tentação do volume e escolher, com critério, o que realmente precisa ser dito.
Ideias que não gritam. Mas que, justamente por isso, permanecem.
José Maurício Lilla é head de comunicação do Bradesco