As duas garrafas de Coca-Cola à frente do jogador em sua coletiva de imprensa davam a conotação de que ele bebe Coca-Cola. Pelo jeito ele não bebe e tem o direito de tirá-las da sua frente defronte às câmeras de TV.

Muito se falou sobre o direito dos patrocinadores do evento, sobre o fato de que a presença das garrafas de Coca-Cola naquela coletiva não era por acaso, mas obviamente por previsão do contrato de patrocínio entre a empresa e a UEFA e que caberia a Cristiano Ronaldo respeitá-lo.

Chegaram a argumentar que os altos salários de celebridades esportivas como CR7 só existem em razão dos patrocínios aos atletas e aos eventos. Raciocínio apressado que leva a crer teria sido Cristiano Ronaldo ingrato com a Coca-Cola.

CR7 na coletiva da semana passada, na Eurocopa (Montagem/ Reprodução)

Nada disso. Assim como há o direito da empresa de ter seu contrato respeitado, há o direito do atleta de não desejar passar a imagem de que bebe Coca-Cola.

O que aconteceu, a meu ver muito salutar, foi um basta dado por um gênio, neste caso da bola, e só os gênios mudam paradigmas, a uma vinculação forçada da figura pública e ídolo ao ato de consumir determinado produto.

Para quem não se lembra, não faz muito tempo que as bebidas postas à mesa em coletivas de imprensa de jogadores de futebol eram para eles beberem durante a entrevista. Só isso. Restringiam-se a água mineral em garrafa ou copo.

Aí um gênio, de novo eles, transmutou a gentileza em produto e passou a vender o enquadramento pelas câmeras de TV das mesas de coletivas de imprensa. A partir daí a água mineral na mesa deixou ser mera gentileza do anfitrião e só está lá se alguém pagar. Caso contrário, querendo beber água durante a entrevista, o entrevistado terá que pedir ou, o que é mais comum, levá-la consigo ao se sentar para as perguntas.

Aquele monte de copinhos de água, muitos abertos, um ou outro derrubado, outros imaculados, é coisa do passado. Mas que existiu, existiu.

E é aí que está. A memória de quem já passou dos 30 anos guarda, ainda que de forma inconsciente, os copinhos de água mineral que eram colocados como gesto de boa educação com o entrevistado.

Não é demais lembrar que servir algo para beber não se dá apenas em coletivas de imprensa de jogadores de futebol, tampouco somente em contexto esportivo. Ao entrevistado em talks show de rádio ou TV, serve-se água, café ou o que mais o convidado quiser beber. Assim como numa entrevista de emprego, numa reunião e até em CPI como temos visto ultimamente.

A bebida à frente de alguém em público pressupõe que a pessoa aceitou beber aquilo. E pior, talvez tenha sido ela que pediu a bebida.

Isso vem do costume universal de perguntar o que se gostaria de beber sempre que alguém nos visita.

Qualquer bebida, portanto, vista numa mesa de coletiva de imprensa à frente do entrevistado passa aos telespectadores a imagem de que o líquido está ali para ele beber e, como dito, de que a bebida estaria ali a pedido dela.

É quase uma mensagem subliminar. Diz muito mais que a marca estampada na vestimenta do atleta ou nos painéis de publicidade ao fundo dessas coletivas de imprensa.

A marca Coca-Cola na camiseta do Cristiano Ronaldo é publicidade entendida como patrocínio do time no qual ele joga. E tudo certo. A garrafa da bebida na frente dele durante uma entrevista não se limita a ser entendida como mera exposição de marca. É vista por muita gente como a bebida que ele está bebendo durante a entrevista e quiçá ele mesmo pediu lhe fosse servida.

Cristiano Ronaldo se tocou e de supetão, bem ao seu estilo, tirou as duas garrafas da entrevista e pediu a quem estava assistindo que bebesse água.

Afastou qualquer dúvida de que aquelas garrafas seriam dele. Simples assim.

O respeito ao contrato? Os contratos das federações com os patrocinadores para a realização de seus eventos não costumam envolver os jogadores, apenas tratam da previsão de quais bebidas estarão disponíveis nas coletivas de imprensa. Por isso, do ponto de vista jurídico, não há o que se falar sobre infração de contrato por parte do Cristiano Ronaldo.

Ele apenas exerceu seu sagrado direito à liberdade de escolha.

Tiago Ferrentini é diretor-executivo do PROPMARK (tamf@editorareferencia.com.br).