O mundo definitivamente está de cabeça para baixo. Uma das postagens que mais deu o que falar na minha página nas redes sociais tinha como tema a singela pergunta: “redator precisa saber escrever?” Era um desvio, inicialmente o assunto nem era esse, mas a pergunta ficou no ar. E recebi centenas de respostas. Boa parte eu não consegui entender o que meu interlocutor queria dizer. Outra parte revelava, já na forma, que o redator tem sérias desavenças com a língua materna. Além da dificuldade em se fazer entender, algumas pessoas cultivam hábitos (ou vícios, melhor dizendo) que complicam ainda mais o entendimento do texto. Revelam falta de intimidade com a escrita. É muito difícil ler um texto com PALAVRAS DESTACADAS, geralmente adjetivos. Pessoas que têm medo de passarem desapercebidas escrevem como se GRITASSEM, ESBRAVEJASSEM, SUBLINHASSEM. Geralmente são destaques para afirmações que – ao redator – parecem ser definitivas. É como se a VERDADE corresse o risco DE AS PESSOAS NÃO LEREM.

Também nas redes sociais há protocolos a serem seguidos, em nome da facilidade de compreensão e dos bons costumes. Outra coisa que dificulta o diálogo é o uso de palavras não corriqueiras, para mostrar erudição. Não é preciso salpicar o texto de raridades vernaculares para ser levado mais a sério. Existem internautas que pespegam em seus escritos não só palavras antiquadas, cheias de mofo, do baú das antiqualhas, como se consideram gênios inventando palavras. A língua portuguesa prescinde de criadores de vocábulos novos, dado o vastíssimo cabedal à disposição de quem pretende escrever bem, claro, compreensível E SEM SUSTOS! Aos leitores mais desatentos, aviso que o uso de palavras raras neste artigo É PROPOSITAL. Uma herança dos tempos da censura é o medo de usar palavras de baixo calão (ou de baixo escalão como diria um internauta). Como se chamar alguém de vi… fosse menos agressivo do que viado. Mais ainda o filho da p… que eu considero mais pornográfico que filho da puta, pois não é uma explosão de ira, mas um conceito meditado. Sempre que encontro essas meias palavras, tenho vontade de mandar quem escreveu à p…que o pariu. Salpicar o texto de vocábulos de rara circulação pode impressionar a patuleia, mas é um crime contra a arte de escrever. Como diria Antonio Huaiss, numa festa, quando foi questionado sobre a razão de ter afirmado que não existiam sinônimos, respondeu à senhora que lhe abordou: “cara senhora, perceba que uma prostituta não é uma puta, nem uma meretriz, muito menos uma rameira. Cada palavra adjetiva de modo diferente e, de forma oblíqua, faz juízo de valor”. Não podemos nos esquecer que Machado de Assis escrevia simples, Shakespeare escrevia pensando nos ambulantes, traficantes, prostitutas e carroceiros que assistiam suas peças, Cecília Meirelles pensava no leitor médio de seus artigos. Escrever bem é um dom cultivado e não consegue fazê-lo quem se perde nos falsos brilhos do exibicionismo. Ler Hemingway é também descobrir que com palavras corriqueiras é possível construir uma literatura de extrema sofisticação.

Drummond dizia que escrever é cortar palavras. A busca permanente pelo curto e grosso (Epa! Epa!) deve ser a religião do redator. Nem Bilac deixa de ser chato quando, como cronista, resolvia poetar sobre o cotidiano. Fica pedante, embora para sua época o escrevedor deveria sempre demonstrar cabedal de cultura. Mas, de sua obra como jornalista, pouca coisa restou. Ao contrário dos grandes mestres da crônica que prosseguem atuais. Rubem Braga, Otto Lara, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Vinícius, Eneida. Um detalhe importante: boa parte deles ganhava dinheiro escrevendo anúncios e todos achavam que se tratava de um ótimo exercício para o escritor. A busca incessante pela clareza, intensidade e fácil compreensão. E, para terminar, uma dolorosa constatação. O leitor médio é desatento e burro. Marcio Ehrlich fez uma lista com os mais conhecidos slogans brasileiros, mas, para fazer graça, trocou o nome do produto. Assim, só Shell dá ao seu carro o máximo, 9 em cada 10 estrelas do cinema usam Modess, Ford, o bom senso em automóveis. Uma leitura superficial deixava claro a brincadeira. Pois bem, dezenas de pessoas escreveram avisando que o texto estava errado. Não tinham entendido nada.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)