“A gente tem de ser um doido, um sentimental, um idealista. Se não for assim, não poderá ser um bom ator”, disse Grande Otelo e eu acrescento que não somos bons publicitários e comunicadores também sem um pouco de loucura! Dos tempos deste grande ator brasileiro para hoje algumas coisas mudaram, principalmente, o quanto o assunto diversidade é pauta em diversos cantos ao redor do mundo.
As pessoas passaram a perceber a ausência de uma parcela da população racializada (negros, indigenas, amarelos, etc), mulheres, comunidade LGBTQIA+, PCDs e corpos plurais nas comunicações. E tudo relacionado a esses grupos foi encaixado no guarda-chuva do que chamam de "diversidade".
Entretanto, ao entender que essa palavra abrange tantas realidades, cabe questionar: o que é chamado de "diversidade", não deveria ser classificado como realidade nacional? Afinal, a falta da pluralidade real do nosso país está exatamente no grupo que hoje lidera e estampa as campanhas de comunicação (pessoas brancas, cis e inseridas dentro de uma norma dita padrão).
E aqui é importante diferenciar liderança e casting pois a desconexão entre agências e seus discursos sobre diversidade se estabelece exatamente na falta da real pluralidade brasileira dentro dos seus times.
Ações publicitárias são mais do que peças e ativações junto a sociedade. Elas nascem de times de planejamento e se materializam com equipes de profissionais multidisciplinares.
Quando esse time não reúne profissionais capazes de entender todas as nuances dos diferentes públicos brasileiros, as chances de reproduções equivocadas ou estereotipadas aumentam consideravelmente. Por isso, a diversidade e a realidade brasileira precisam sair das vitrines e invadir a rotina dos times das agências brasileiras.
O mercado publicitário é marcado por prazos, relações e formas de entrega muito característicos e sedimentados. Os atuais agentes desse mercado, ora por não entenderem novas formas de criar, ora por se sentirem ameaçados pela entrada de profissionais com ferramentas diferentes das suas, tendem a ser resistentes na hora de criar uma entrega inclusiva e que reorganize os processos atuais do mercado.
Assim, o atalho mais comum é querer que produtoras e agências com foco em diversidade encontrem soluções para essas pautas reproduzindo processos e métodos iguais aos de agências tradicionais. Ignorando que esse mercado tradicional chegou a essas lacunas de representatividade exatamente por se comportarem dessa forma.
É necessário que as pessoas nos cargos de liderança estratégica e produção considerem as nuances na contratação e acolhimento de profissionais não-brancos e periféricos. Isso inclui a dedicação e entrega de tempo necessária na busca desse profissional que, por muitas vezes, está fora da bolha de contatos das grandes agências e produtoras do mercado.
A reconfiguração desse cenário só vai rolar se a mobilização foi implementada na base, na contratação. Abram as portas para times diversos, com diferentes origens e narrativas pessoais. Isso garante uma pluralidade de olhares para sua campanha. Aumentando suas chances de se conectar com mais pessoas, sem que nenhum público se sinta excluído por isso.
Alan Ferreiras é co-fundador da agência criativa e produtora de imagens SILVA, diretor criativo, roteirista e especialista em construções de narrativas plurais e inclusiva
alan@silvaprodutora.com