Assim como (quase) todo mundo, a pandemia me obrigou a passar os últimos meses assustado e acuado em casa.

Fiz das telas do computador, TV e celular minhas janelas para o mundo e muitas vezes essas janelas drenavam a minha inspiração por mostrarem um mundo perigoso, triste e caótico.
O que era fonte de informação, virou obsessão e precisei me afastar das notícias pra manter a mente no lugar. A realidade nem sempre é inspiradora e pode, inclusive, ser o oposto disso.

Uma das coisas que me ajudaram muito durante esse tempo (além de terapia, Netflix e chocolate) foi tentar trabalhar meu olhar para enxergar a realidade não só por suas sombras, mas também por suas luzes. Afinal, tudo tem dois lados (às vezes, muito mais).

No meu caso, um desses momentos de luz foi a chegada do meu segundo filho. Ver um filho nascer nesses tempos foi como ver aquelas flores que nascem milagrosamente em rachaduras no meio do concreto, sabe?


Aquela grande área cinza é interrompida por um toque de cor que rouba inteiramente a cena.


Por falar em futuro, cientistas ao redor desse mundo todo buscaram inspiração e concentraram suas atenções na luta contra a maior crise sanitária do século.


Lembro até hoje do alívio que senti quando ouvi naqueles mesmos noticiários a manchete de que conseguiram encontrar uma fórmula capaz de nos livrar de tudo isso. Fico imaginando o tanto de gente que se sentiu inspirada pela força que a ciência e a medicina demonstraram nesses anos. Eu, com certeza, fui um deles. A vacina me trouxe uma dose (duas, no meu caso) de esperança e inspiração.

Em paralelo a tudo isso, é muito louco pensar que milhares de atletas pelo planeta também estavam confinados em suas casas e treinavam como podiam para uma Olimpíada que ninguém saberia se e quando aconteceria.

Ouvimos histórias tão impressionantes quanto fascinantes de superação. E não é que os Jogos Olímpicos aconteceram? E, já que eu acordava cedo por causa do recém-chegado filhote, acabei acompanhando bastante as competições e sempre me emocionava com as conquistas e histórias que via.

É por essas e outras que acredito que a inspiração não é um dom exclusivamente dos criativos, designers, arquitetos, redatores, publicitários…

Claro que a inspiração é fundamental para exercer o trabalho criativo: ter aquela sacada genial, se alimentar de referências, cocriar um projeto incrível e chegar em resultados de encher os olhos. Mas não é só sobre isso.

No âmbito criativo, por exemplo, a inspiração pode vir tanto de uma galeria de arte quanto de uma placa vernacular de mercado.

Pode vir tanto de um filme quanto de uma cena que passou pela janela do carro. Pode vir tanto de uma poesia quanto de uma expressão que ouviu na fila do banco.

No âmbito pessoal, meus filhos nem imaginam que todos os dias eles me inspiram a ser um pai melhor. Aqueles cientistas não fazem a menor ideia de que me inspiraram a acreditar no poder do trabalho coletivo pra resolver problemas complexos.

Não conheço pessoalmente nenhum atleta que disputou a Olimpíada no Japão, mas me inspiraram a perseguir uma ideia, mesmo quando os recursos não são os ideais.

Muito além das paredes das agências e das telas dos nossos computadores, acredito que a inspiração é um estado de atenção e deslumbramento com as coisas que acontecem ao nosso redor.

Afinal, a inspiração pode vir de diferentes pessoas, formas e lugares. Como diriam os sempre inspirados Gilberto Gil e Caetano Veloso:

“Tudo é perigoso.

Tudo é divino maravilhoso.

(…) É preciso estar atento e forte”.

Rafael Torres é sócio-diretor de design da Ana Couto