Eu, Kevin David, 29 anos, nascido na periferia do Sapé, na Zona Oeste de São Paulo, e criado no Vila Rosa, em São Bernardo do Campo, assim como milhares de meninos negros, passei por diversas encruzilhadas. Nasci numa família pobre, carente, sem recursos financeiros e sem algum instrumento psicológico. Minha ferramenta para enxergar o mundo sempre foi a criatividade, criando um imaginário idealizado na ponta do lápis, ou nas poesias de uma rima jamais compartilhada. Eu sempre soube que era artista porque eu sempre tive muito o que dizer.
O jovem negro tem um combustível questionador, curioso, acalorado e destemido que leva a gente para lugares inimagináveis. É muito impressionante como nossas perdas, dores e cicatrizes não são impeditivos da nossa transformação em engrenagens dessas encruzilhadas. E quão mágico é poder manter uma conversa aberta com nossas crianças e ser prova viva de diversas possibilidades. A possibilidade de planejar, criar, executar e ser um criativo. Viajar, reconhecer as encruzilhadas em cada troca, conhecer pessoas em uma intersecção cultural infinita, cortar caminho, mudar os caminhos, trabalhar com empresas multinacionais, ser palco, ser bastidores, viver as conversas do mercado ao mesmo tempo que temos preparo para lidar com as fricções criando as nossas ferramentas.
Foi nessa busca por significado, que a cultura, a música e a comunicação fizeram moradia na minha realidade e me colocaram no caminho de outras pessoas que estavam se aquilombando e procurando por uma resposta para as mesmas perguntas: Como é ter o direito de contar as próprias histórias? Qual espaço esses sentimentos ocupariam se eles encaixassem aqui dentro?
E a gente teve uma resposta: como diria Shirley Chisholm, quando não te derem um lugar na cadeira, leve a própria cadeira dobrável. E levar sua cadeira dobrável pode significar tantas coisas, né? Quando você é um criativo, preto, independente, favelado, isso pode se manifestar na sua coragem por reivindicação de oportunidades, pelo direito de equidade salarial, pelo resgate de uma brasilidade marginalizada - uma diversidade inescalável, ou até mesmo pela reconstrução de um imaginário que nos possibilite falar sobre todos os tipos de assuntos e existir em todos os lugares. A cadeira dobrável representa a própria persistência testemunhada. E hoje, a gente cria os nossos lugares.
A influência negra criou um novo ecossistema, que pode crescer e apoiar diferentes tipos de vida que não conseguíamos antes. E ter consciência do que se é já é metade do caminho andado.
Talvez a idealização de um topo seja só uma miragem de uma ideia do progresso que virou a única métrica pela qual a gente determina o nosso valor. No fundo, a gente quer muito mais do que recebidos, look do dia e pulseiras para o Family & Friends. Queremos dignidade, barriga cheia, vida emocional estabilizada e dinheiro reserva sobrando sem parente adoecido. E no meio dessas subversões, e ressignificados que a gente dá todo dia, minha nova métrica de sucesso é meu pai ver uma campanha de criatividade na TV e pensar: deveria ter sido a agência do meu filho.
A encruzilhada também é alvo. E criatividade preta não tem receita de bolo.
Kevin David é CEO da Kelle.ag e cofundador do Mooc