Devo ser um dos poucos sobreviventes dessa época. Era um garoto de 14 anos de idade e minha família havia acabado de retornar a São Paulo, depois de passar 18 anos em Mato Grosso, em busca de um sonho.

Com a herança que minha mãe recebeu da venda da casa de seu pai no Líbano, compramos uma casinha na Rua Eça de Queiroz, na Vila Mariana, com 5 metros de frente e 50 metros de fundo. Era um bairro de classe média e, para mim, a grande vantagem era que nossa casa ficava em frente ao Colégio Benjamin Constant (antigo Deutschschule) e do Colégio Bandeirantes. Além de boas escolas, eram uma espécie de clubes esportivos, pois tinham quadras de vôlei, basquete e handebol — o Benjamin Constant foi o introdutor do esporte no Brasil —, além de excelentes bibliotecas.

Na rua em que eu morava ninguém tinha carro.

A primeira família a comprar um foi a Galimberti, que tinha uma joalheria no Largo São Francisco. Foram também os primeiros a comprar um aparelho de televisão no bairro, antes mesmo da inauguração da TV Tupi.

Eram pessoas generosas: deixaram o aparelho perto da janela da sala, que dava diretamente para a rua, a fim de que os vizinhos pudessem vê-lo.

Foi assim, na tarde da primeira transmissão, às 17h30 de 18 de setembro de 1950. A televisão dos Galimberti na janela e todos os vizinhos da Rua Eça de Queiroz na calçada.

Começa o programa da PRF-3, TV Tupi, com o indiozinho. Aparece Assis Chateaubriand e Dom Paulo Rolim Loureiro, que iria abençoar o equipamento RCA importado pelo jornalista. Surge Lucas Nogueira Garcez, governador que já havia rompido com seu padrinho que o havia eleito, Adhemar de Barros. Discursos, cantoria, discursos. Quando a transmissão terminou, um dos espectadores que estavam na rua comentou para os outros: “Mas que coisa chata! Não vai pegar.”

O programa de inauguração estava sendo preparado há mais de um ano. Cada equipamento era testado, cada minuto cuidadosamente ensaiado, à medida que o dia 18 se aproximava. Contam que, quando o evento terminou e ficou constatado que tudo deu certo, os câmeras, os artistas e os técnicos festejaram muito no estúdio. Aí um deles perguntou para os outros, “E amanhã? O que é que a gente faz?”

Em poucos anos, todas as casas da Rua Eça de Queiroz tinham um aparelho de TV. No começo, a gente ia assistir na casa dos Galimberti, que recebiam os vizinhos e os amigos dos filhos com prazer. Pouco a pouco sua sala foi ficando vazia, pois cada família comprava seu aparelho em prestações.

Em algumas cidades do interior, as pessoas começaram a comprar aparelhos mesmo antes de a televisão chegar lá. O caso mais curioso era exatamente o de Campo Grande, Mato Grosso, de onde eu havia vindo. Vizinho da loja de meus pais, na Rua 14 de Julho, tinha a loja do seu Elias Zahran. Os quintais de nossas casas, separados por um corredor estreito, tinham mangueiras e abacateiros cujos frutos eram compartilhados pelas crianças.

O filho mais velho do seu Elias, Ueze Zahran, havia feito um curso por correspondência de conserto de rádio no Instituto Universal Brasileiro. Quando o pai julgou que o menino já estava apto a consertar os rádios dos fregueses, cedeu a ele um espaço na loja para o jovem começar sua profissão. Ueze, porém, tinha mais vocação para negociante do que para técnico. Sabendo do sucesso da televisão em São Paulo, pegou um trem da Noroeste e depois de três dias de viagem desembarcou na Estação da Luz, foi a uma loja da Florêncio de Abreu e comprou dois aparelhos RCA 630, enormes, mas que eram os menores da época, que dariam para encaixotar e levar para o trem.

Em dois dias Ueze vendeu os aparelhos, com a promessa de que brevemente Campo Grande receberia uma antena da TV. Voltou para São Paulo e, com o dinheiro arrecadado, comprou mais três aparelhos. E assim sucessivamente durante um ano.

Ao fim desse período, os compradores, que já eram centenas, começaram a reclamar que ligavam os aparelhos, mas não acontecia nada, só riscos. Desesperado com a expectativa de ter de devolver o dinheiro para os fregueses, Ueze veio mais uma vez a São Paulo e não esperou para pedir uma reunião com Walter Clark, invadiu sua sala na Rua Nestor Pestana e explicou seu problema.

Ueze sempre foi uma pessoa simpática e muito persuasiva. Walter Clark propôs-lhe então que, se ele montasse um equipamento de transmissão em Campo Grande e levantasse uma antena, Walter mandaria de trem as fitas das novelas e de alguns programas gravados a cada noite.

Ueze correu de novo à Rua Florêncio de Abreu — e aí o seu curso de rádio da Escola Universal foi de valia —, descobriu quem vendia as peças daquele equipamento, arranjou um amigo para ajudar a montá-los, voltou a Campo Grande e ergueu uma antena rudimentar.

Em pouco tempo as fitas começaram a ser mandadas de avião. Dia a dia a audiência aumentava, Ueze vendia mais televisores e, com o auxílio dos irmãos, dos filhos e de amigos, começou a produzir os próprios programas.

Hoje a TV Morena é uma potência no Centro Oeste, e Ueze acabou dono do mais importante de criação de cavalos árabes do continente, de emissoras de rádio, da Copagás (que acabou se associando com a Petrobrás) e de vários outros negócios.

Citei esse caso do Ueze Zahran porque essa é a história do Brasil nos últimos 70 anos. E a influência da televisão informando as pessoas, mostrando cenários bem feitos, educando, ensinando como se fala direito, como se escova os dentes, como se alimenta bem, lutando por causas sociais e enriquecendo o país.

Ela é o produto de gente que acredita no trabalho — Assis Chateaubriand, Blota Junior, Edmundo Gregorian (pioneiro dos talk shows), Roberto Marinho, Silvio Santos, Boni, Walter Clark, Otávio Florisbal, Gilberto Leifert, Maria Adelaide Amaral, Walcyr Carrasco, Jô Soares, e tantos. Tantos outros, inclusive, na área das agências, das produtoras, dos fornecedores em geral, desde carpinteiros, maquiadores, costureiras e cenaristas.

Nesses 70 anos foram milhões de brasileiros trabalhando sério, para ganhar a vida, mas principalmente, para fazer do Brasil um país mais civilizado.