Sou um democrata por formação. Vivi 21 anos de ditadura, praticamente toda a minha adolescência e boa parte da juventude. Sei, portanto, na prática, o que significa viver sob censura, vigiado e sujeito às penas de um Estado totalitário.

Mesmo assim, acredito que há casos em que as decisões precisam ser impostas. Situação emblemática, a solicitar providências urgentes dos poderes públicos constituídos é o sequestro das nossas crianças e jovens pelas redes sociais.

Não há mais justificativa para nos mantermos inertes, enquanto avança esse apoderamento das mentes infantojuvenis por manipuladores inescrupulosos e mercenários irresponsáveis.

Não é mais possível tolerar, em nome de uma suposta liberdade de expressão, que uma ação simultânea e coordenada de submissão da vontade, seja negligenciada. Não é mais possível acatar discursos levianos de proteção de direitos, quando esses direitos são utilizados de maneira perversa e covarde.

A gravidade da situação se revela, por exemplo, nos lares, escolas ou mesmo em locais públicos, quando percebemos crianças e jovens terem reações histéricas, ao serem privados de seus celulares. Basta uma simples troca de palavras com psicólogos para termos relatos apavorantes da evolução de um estado de insanidade provocado por um condicionamento irracional às redes. Não acredito em ações paulatinas no combate aos crimes cometidos na internet.

Estamos diante de um incêndio alimentado permanentemente por um combustível altamente inflamável. Não há solução possível, senão o corte pronto e simples da fonte de tamanha tragédia, aliás enquanto houver alguém ainda suficientemente livre para tomar a iniciativa. A questão tem tomado tamanha proporção que uma democracia modelar, como a norte-americana, começa a tratar seriamente de banir das salas de aula os smartphones, mesmo em estados com perfis políticos tão diferentes como a Flórida e a Califórnia.

No Brasil, ainda estamos muito focados em prevenir fake news com intenções políticas, enquanto proliferam a jogatina, a enganação, os golpes, a manipulação, a indução e a picaretagem de maneira generalizada, em nome de oportunidades de ganhar dinheiro e fazer sucesso.

Como em toda a ação desonesta bem-sucedida, o segredo sempre estará em contar com a cumplicidade da vítima. E não há ambiente mais conveniente para se promover essa cumplicidade provocada do que a internet, onde é fácil trabalhar o imaginário e se valer de uma aparente sensação de inviolabilidade das vítimas.

Sim, é verdade que o monstro se tornou suficientemente monstruoso a ponto de gerar uma paralisia geral em quem deveria agir. Mas temos de quebrar essa letargia e encontrar uma maneira de reassumir o controle da situação.

Nenhuma sociedade resiste a tamanha liberalidade nas formas de influenciar sua população mais vulnerável. Uma nação tem suas peculiaridades culturais e elas precisam ser preservadas, seus valores precisam ser protegidos e, principalmente, as crianças e os jovens, que construirão a história de seu futuro, precisam de uma formação adequada. Entregar tudo isso a interesses particulares, administrados por gente de má-fé, é um atentado à soberania.

Precisamos com urgência de um processo de reeducação para a vida, através de uma radical desintoxicação digital. Ou caminhamos céleres para nos tornarmos uma nação de zumbis cibernéticos.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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