Escrevo este texto depois de um dia extremamente complicado de trabalho. Um daqueles dias em que, desde a hora do café, a vontade de produzir qualquer coisa parece fugir de nosso corpo e se esconder em um canto escuro da casa. Esses são os dias em que mais precisamos de inspiração, para que essa vontade seja retomada, revigorada. Entretanto, na mesma medida, é preciso de um toque de calma e serenidade, para deixar que essa inspiração seja absorvida e se transforme em algo novo.

Nos dias em que isso me ocorre, tenho a tendência de recorrer às artes. Sejam filmes, músicas, pinturas ou jogos, essas produções funcionam para mim como uma nova carga na bateria mental. Elas me trazem a vontade de explorar caminhos e ideias que talvez não tenha tentado antes, misturando aspectos da vida que às vezes não parecem se conectar, mas que fazem sentido se colocados lado a lado. Assim, me inspiram a seguir em frente e descansam a minha mente da repetição da rotina.

A vida contemporânea nos obriga a ser imparáveis, inovadores a cada segundo, espremendo até a última gota daquilo que temos para oferecer, sempre clamando por mais uma vez, mais rápido e em maior quantidade. Isso, por muitas vezes, tem nos feito adoecer como pessoas e como sociedade, esgotando nossas energias, matando a criatividade antes mesmo dela florescer e mutando nossos catalisadores criativos.

Quando reflito sobre a necessidade de produzir tanto e tão rápido, me lembro sempre do meu artista favorito, e minha maior fonte de inspiração no mundo artístico, Van Gogh.

Vincent viveu, adoeceu e morreu por sua arte. Ele era a mais pura definição de imparável. Van Gogh produziu mais de duas mil obras, dentre elas, quase 900 pinturas em um pouco mais de uma década de trabalho, o que resulta em uma média de uma nova peça a cada 36 horas!

Mas agora, pare para pensar. O mundo em que ele vivia era completamente diferente do nosso. Sem a velocidade das vias expressas, das conexões 5G, das mensagens instantâneas. E então, por que ele tinha esse ímpeto de continuar a produzir em um ritmo tão acelerado e volumoso? Por que ele era tão imparável?

Para mim, Van Gogh era imparável, pois tinha uma vontade sufocante de se expressar. Expressar o que via, o que sentia e até mesmo o que imaginava.

Parafraseando uma das minhas bandas favoritas, a Forfun, na música  ‘Quando a alma transborda’: “Suas lágrimas, seus dramas e prazeres mais profundos, vá e diga a todos o que vistes desse mundo”, isso é o que o fazia produzir. Quando não  cabia mais dentro de si, ele transbordava tudo na forma  de arte, e o fazia intensamente, sem medir as consequências, físicas, mentais, monetárias, nada era o suficiente para pará-lo.

Quando nos sentimos assim, ou quando somos obrigados a sermos assim, é necessário que tenhamos calma. É preciso parar por alguns instantes, respirar, refletir mais e apreciar a vida, para não corrermos o risco de nos prejudicarmos física e psicologicamente. Tomemos então inspiração em Vincent na sua forma de se expressar, com vontade, sinceridade, imaginação e amor, mas tenhamos cuidado com o imparável ímpeto de ser imparável.

Filipe Lucas é CEO e diretor criativo da Rogue Unit