Venho de três semanas em Portugal e uma esticada a Vigo. Fazia um tempinho que não ia à Europa. Essa demora teve um lado bom para perceber que por lá as coisas andam, positivamente, mais lentamente do que por aqui.

Caminhando pelas ruas, tropeçava em livrarias. Como farmácias no Brasil, as livrarias em Portugal estão em toda parte para atender às urgências de gente letrada.

Difícil sair de uma sem levar alguma coisa. Na estação Oriente, em Lisboa, antes de embarcar para o Porto, comprei “Macau, uma cidade improvável”, da mestra em antropologia Helena Cabeçadas, exilada na Holanda, aos   17 anos, durante a ditadura de Salazar.

Comprei o livro, como por aqui se compra um saco de batatinhas para degustar na viagem, e embarquei. Devorei as 160 páginas da obra nas duas horas e 40 minutos de viagem. Portugal (e a Europa) despertam o apetite para a leitura.

Ver bancas expondo títulos diversos de jornais e revistas é como despertar para uma realidade tida como esquecida. Mas ela está ali, viva e sólida, ao alcance das mãos e dos olhos. É confortável olhar em volta e respirar um lugar onde o texto sobrevive, impresso, senhor de si.

O texto que se basta, vivíssimo, embora estático. É só começar a ler e o dinamismo das ideias ali contidas nos abraçam os neurônios e fazem a felicidade deles.

Neurônios maltratados pela tecnologia da informação, pela inteligência artificial, pela pequenez das telas, tão incensadas no Brasil, pelo que aceleram a escalada da mediocridade, enquanto caçam níqueis de um povo pobre dos pés à cabeça. É estressante assistir a essa derrocada da civilidade.

A Europa é como um SPA para a inteligência, a cultura e a sensibilidade. Dá vontade de mudar para lá, como milhares de nós estamos fazendo, em busca de segurança e paz.

A segurança e a paz oferecidas por uma sociedade que não esqueceu que segurança e paz dependem essencialmente de educação.

E que educação não é apenas o que se recebe na escola ou no lar, mas o que se recebe na vida, no cotidiano, na convivência, andando pelas calçadas e tropeçando em livrarias, na mesma proporção com que no Brasil se caminha pelas calçadas e se tropeça em farmácias.

Para os países europeus, a população ainda é formada por cidadãs e cidadãos. Nós, faz tempo, fomos reduzidos a consumidores ou potenciais consumidores, do mais caro ao mais barato ofertado, porém quase sempre sem valor nenhum.

Sim, ainda há nichos intelectuais por aqui, como ainda há nichos de portugueses em Macau, devolvida à China, passados 500 anos.

Essas bolhas resistem e se amparam, mas sabem que o caso é perdido. A massa já foi engolida pelo mercado e, entre as suas paredes, já não tem olhos para o que fora dele ocorra.

Sorte de quem consegue dar um pulo na Europa de vez em quando, ver as coisas como um dia foram, desfrutar delas ainda sendo e conviver com aquilo a que se pode chamar de civilização.

Como faz bem andar pelas ruas sem tropeçar em farmácias. Será que algum dia vamos compreender que civilização não se compra em farmácia?

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com