Quando vejo grandes shows internacionais lotando estádios e pessoas acampando dias antes para garantir um bom lugar, me pergunto por quem eu faria o mesmo. Não é que eu não admire esses artistas, mas o que realmente me interessa é com quem as pessoas na fila estão. Em uma situação como essa, em que tanta gente pode se destacar no palco, o que importa é o grupo ao seu redor — com quem você toparia dividir dias difíceis, se sentindo seguro e confortável para enfrentar o que vier?

Em tempos de culto ao individualismo e de uma ideia de amor-próprio que parece resolver todos os problemas, eu me pergunto: quais são os grupos a que queremos pertencer? Quais são as pessoas que escolhemos manter por perto, apesar dos desafios inevitáveis de se relacionar?

Pensar em coletivo e nas relações é uma inspiração de outros carnavais para mim. Os astros diriam que é o ascendente em aquário, mas a minha trajetória endossa: os vários trabalhos voluntários, o tanto de vezes que amei participar e mobilizar grupos, o quanto me animo em criar espaços de troca e ouvir. Hoje, minha inspiração não está em alguém específico, mas na pergunta: como podemos ser mais coletivos? Como podemos cuidar mais — e melhor — das nossas relações?

A gente precisa desfazer essa narrativa da autossuficiência e lembrar o quanto o outro, ao atravessar o nosso caminho, muda nossos rumos e nos ensina. Esse é um movimento essencial, especialmente em tempos tão duros, que exigem nosso pensar e fazer em grupo.

Além de trabalhar com gestão de pessoas na DZ Estúdio — o que, por si só, já revela meu interesse profundo pelas relações —, atuo há cerca de quatro anos no Casca Instituto Socioambiental, um grupo voluntário que me desafia constantemente a revisitar o que é estar junto. Lá, não há recompensas financeiras nem hierarquias excessivas. É outro parâmetro de convivência, muito diferente do que estamos acostumados. E, mesmo quando estamos conectados por valores comuns, isso não garante uma boa troca sempre. O desafio (e a beleza) está em ser curiosa sobre como cada pessoa reage a determinadas situações, mas principalmente em como o grupo lida com os próprios dilemas.

Estar junto, hoje, é um dos maiores desafios do nosso tempo. Escrevo pensando nos amigos de quem sinto falta, nas tantas ideias para criar mais encontros. Tenho acompanhado com muito interesse os conteúdos do Instituto Amuta, que têm me ajudado a refletir sobre as nossas relações. E tem uma frase deles que carrego comigo: “Eu me torno mais eu quando me torno mais nós, e me torno mais nós quando me torno mais eu”. Somos incompletos, e bancar quem nós somos para além de nós já é uma grande prática de autoconhecimento.

Somos interdependentes, e estar junto é biológico — isto, em teoria, deveria ser simples. Lembrei muito disso quando assisti ao filme ‘Dias perfeitos’, que me emocionou profundamente pela simplicidade do personagem principal, que encontra sentido em uma rotina repetida e singela. Em uma das cenas mais bonitas, ele e a sobrinha andam de bicicleta e, quando ela sugere seguir o passeio, ele responde:

— “Na próxima vez.”
Ela retruca:
— “Mas quando é a próxima vez?”
E ele diz:
— “A próxima vez é na próxima vez. Agora é agora.”

A objetividade e a tranquilidade da resposta vêm de um momento em que eles estavam simplesmente passando tempo juntos, sem grandes diálogos, mas valorizando a presença. E, quando penso em relações e comunidades, vejo o quanto, às vezes, achamos que é preciso algo grandioso para estar junto, quando, na verdade, o mais importante são ações intencionais, convites e abertura para dividir momentos.

E, como a minha inspiração é reflexiva, encerro com a potência da pergunta — e não da certeza: quem são as pessoas que você intencionalmente escolhe para dividir o agora?

Aline Bohn é head de pessoas e cultura na DZ Estúdio