Inspirado no slogan genial do Ricardinho Freire para a Folha, me motivo a escrever sobre a seleção feminina de futebol. Fiz o sacrifício de assistir às partidas, sacrifício não só pelo horário, mas pelos jogos em si. Futebol feminino, para quem gosta de futebol, ainda é um negócio muito chato. Mesmo assim, assisti porque, como dizem os moderninhos, “não é sobre futebol”, é porque as meninas precisam de audiência e patrocínio.

Elas ainda estão na fase em que perdendo um campeonato podem perder tudo. Diferentemente dos homens, a quem já não importará se perdem ou ganham em campo, pois que vão lucrar de qualquer jeito, nem que seja como sócios das casas de apostas, em que, inclusive, se aposta que eles perdem.  Nossas meninas resgatam uma coisa a que os mais jovens não conhecem, e os mais velhos já haviam quase esquecido: o amadorismo na prática do futebol, independentemente do profissionalismo estrutural que as cerque. Esse amadorismo, que significa uma entrega incondicional e heroica a jogar do jeito que for possível, focada na bola, na busca incansável do gol distante.

O resultado pode ser tecnicamente desastroso, como foi, mas jamais será covarde ou desonesto, como ocorre com a seleção masculina. Para sorte das nossas meninas, apoiar a valorização da mulher, como negócio, está em pauta e a Copa do Mundo de Futebol Feminino veio a calhar para a mídia e para as marcas. Ambas viram no evento a oportunidade de promover discursos “vendedores” de engajamento. Foram bastante profissionais na cobertura dos jogos e na elaboração de peças publicitárias glorificadoras.

Mas, como costuma acontecer, marketing e realidade estiveram apartados. Para a propaganda só existem mundos cor de rosa, em que vibra um estado perene de felicidade. Ninguém anuncia para “perder”, por isso, todo anúncio é uma vitória de antemão. Um mundo assim foi construído em torno da seleção feminina de futebol. E as meninas tiveram de jogar, inclusive, para validar conceitos tão ufanistas quanto fantasiosos.

Peso demais para quem ainda não sabe “negociar” o seu talento com todos os atores que gravitam em torno do business do futebol. Elas ainda acreditam que fazer gols é mais importante que gerar curtidas ou compartilhamentos de publicações, em que “causem” em suas redes sociais. Costumam levar o trabalho a sério; mesmo quando as pernas não obedecem a vontade do coração, elas insistem. Costumam ser éticas, mesmo que uma reposição rápida da bola, por exemplo, favoreça as adversárias. Ficam desconfortáveis em permanecer no chão mais tempo do que o necessário para se recuperar de uma pisada, normalmente involuntária. Tecnicamente, o esporte que praticam se dissemelha esteticamente do futebol masculino, mas é ainda mais diferente, eticamente.

Isso causa estranhamento. Porque, vejamos: os homens, quando jogam mal, armam um circo paralelo, que vira notícia e gera audiência e patrocínio. Discutimos o assunto por dias. Em que pese o futebol ter sido nulo, pouco importa, o jogo dos homens vai muito além do campo. Quando as meninas jogam mal, o que fica de residual é um jogo feio e ineficaz. Seria o normal, não fosse injusto. É por isso que torço pelas meninas. Pela utopia de acreditar que o futebol delas não vai “evoluir” para o padrão do futebol dos homens.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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