Vivemos tempos em que a busca pela eficiência se tornou um culto. É tão naturalizada que mal percebemos que há um custo profundo para as pessoas, as empresas e para a própria capacidade de inovar. Não se trata de demonizar a eficiência. O problema é quando ela se transforma em um fim em si mesma. Deixa de ser criativa. Quando métricas substituem significado. Quando dashboards substituem conversas e quando acelerar se torna mais importante do que imaginar.
A lógica algorítmica governa os nossos dias. Vivemos cercados por números, indicadores, gráficos, todos apontando para pressão contínua e performance de curto prazo. A curiosidade, o tempo para reflexão, o risco e a ambiguidade necessários para inovar ficaram pelo caminho. Quanto mais otimizamos, mais acabamos empobrecendo nossa capacidade de imaginar. E que graça tem esse mundo sem imaginação?
Esse não é um fenômeno isolado das empresas. Outrossim, é algo cultural, psicológico e existencial. Na raiz está o neoliberalismo, que nos doutrinou, tornando-nos empresários de nós mesmos, medindo nosso valor em métricas de mercado e mais-valia. O culto ao empreendedorismo individual nos aprisionou em ciclos de comparação, insuficiência, ideais inalcançáveis, busca incessante por validação e frustração. A compulsão por selfies é um sintoma disso.
O sucesso virou mérito pessoal; o fracasso, culpa individual. E esse modo de viver nos mergulha em uma fadiga existencial profunda. Somos incapazes de apreciar o mundo sem a lente dos smartphones.
Nas empresas, esse processo gera um ambiente quase psicótico. Lugares onde não há espaço para erros, vulnerabilidades ou incertezas, justamente os elementos que alimentam a experimentação e, portanto, a inovação. O pensamento binário e conformista toma conta das decisões.
A curiosidade humana, que deveria ser combustível, é sufocada. Como consequência, os padrões se cristalizam: aversão ao risco, medo de errar, foco obsessivo em resultados de curto prazo, cultura de burnout, esgotamento criativo. Ter passou a ser mais importante que ser. Assim, emoções viram doença, cansaço é burnout, tristeza é depressão e distração é TDAH. O Brasil tem a maior taxa de ansiedade do planeta e quatro entre dez jovens já usaram ansiolítico.
A fragmentação da atenção não só virou norma, mas fonte de receita. Plataformas comercializam soluções para rentabilizar o emburrecimento de funções cerebrais essenciais. As tecnologias digitais estão nos aprisionando em ciclos dopaminérgicos de recompensa imediata e estamos inebriados e presos nesse visgo. O pensamento lateral, abdutivo, dá lugar a respostas automáticas e previsíveis. Isto não é ser eficiente.
Sem perceber, estamos remodelando nossas formas de existir, de nos relacionar, de desejar. A plasticidade cerebral, agora, nos torna vulneráveis a um ambiente que recompensa o imediatismo, o hedonismo e a performance vazia e sem finalidade. Tudo isso gera um colapso silencioso nas vidas humanas que trabalham nas organizações. Zumbis exibicionistas.
A doença da eficiência é silenciosa e traiçoeira. Equipes hiperconectadas estão emocionalmente desconectadas. Melancolização e solidão corporativa convivem com imperativos como vestir a camisa e senso de dono, mesmo quando isso nos custa saúde e autenticidade. Não apenas sofremos, mas recodificamos o sofrimento. Zumbis corporativos. As lideranças, presas em métricas, esquecem que a verdadeira vantagem competitiva do futuro não será a velocidade, mas a capacidade de imaginar e de criar algo novo em um mundo saturado de mais do mesmo.
A arte sempre nos oferece pistas e respiro. Em momentos de crise, movimentos como o surrealismo e o modernismo responderam ao caos com formas fraturadas e com a subversão da lógica produtivista. Hoje, talvez a arte performática nos ensine algo fundamental: a importância de resgatar a presença, a alteridade. Porque existir sem empatia é apenas automação. Também a filosofia nos lembra da importância do imprevisível. Como dizia Heidegger, é preciso abrir espaço para o imprevisível pela poética.
Foucault nos alerta para os perigos de uma linguagem empobrecida e sem ambiguidade pela estilística de existência. Na psicanálise, Lacan nos lembra que precisamos da ética do bem-dizer para viver como obra aberta, não como produto acabado.
E Winnicott nos convida a resgatar nosso espaço do brincar, o espaço criativo e potencial, sem obrigação de performar. São saídas que apostam na emancipação deste regime de certezas e excesso de iluminação da linguagem pela recuperação de suas sombras, isto é, pelo resgate da equivocidade do sentido na linguagem, corrompida pelas tecnologias digitais e excessos de memes.
Nas empresas, por sua vez, isso significa redesenhar modelos mentais. Valorizar a ambiguidade. Incentivar o pensamento divergente. Criar ambientes psicologicamente seguros, onde o erro seja permitido e a curiosidade, cultivada. Onde o fascismo corporativo não tenha espaço. Limitar métricas excessivas e abrir espaço para o deep work, para a imaginação, para o humano.
Porque, se a eficiência foi o motor do século passado, a humanidade será o motor do século 21. Inovar é voltar a imaginar. Inovar é criar espaços onde o erro seja permitido, onde a curiosidade seja cultivada, onde há reconhecimento. Porque, no fim, serão os pequenos gestos que vão nos salvar. Os pequenos desvios. As perguntas sem respostas. É nesse espaço que mora a verdadeira inovação. E é ali que o futuro das organizações será decidido. E o nosso, também.
Edmar Bulla é estrategista de inovação