Talvez a pedofilia, dependendo da idade das crianças envolvidas, ainda mereça uma condenação peremptória da maioria das pessoas. Mesmo assim, caminha, paulatinamente, da categoria do absolutamente condenável para o relativamente controverso.

O que dizer do resto, que vem sendo banalizado, de maneira sistemática? O universo digital (e não estou falando de nenhuma deepweb) entrega qualquer tema, a quem quer que seja, a qualquer momento.

Meninas seminuas, visivelmente menores de idade, dançam e cantam ritmos e letras de funks, que tratam de sexo explícito, consumo de álcool e cocaína, convivência com bandidos e uso de armas, por exemplo, com absoluta naturalidade.  É simplista associar esse avanço da exposição desaforada de mensagens tóxicas à falta de iniciativa de poderes políticos constituídos.

O que acontece é avassalador e universal. Merece, portanto, serenidade na avaliação das atitudes adequadas a serem tomadas, não para banir a tendência desse ou daquele comportamento, o que se tornou impossível pelo alcance dos meios utilizados e por atiçar propriedades inerentes à própria condição humana.

Toda tentativa de enfrentamento pela força não conseguiu escapar do uso de práticas ditatoriais, que acabam ferindo a liberdade de expressão e a democracia, em si. Faltam, a bem da verdade, propostas ousadas, capazes de dialogar com a contemporaneidade, soluções capazes de se alavancar no problema.

Ou seja, os cúmplices das soluções devem ser os mesmos que hoje são, por conveniência, cúmplices dos problemas. O avanço do desvirtuamento dos valores entre os jovens, sejam da periferia, sejam dos lares abastados, só é novidade na velocidade com que ocorre hoje.

A maioria de nós, em nossas infâncias e adolescências, conviveu com o sexo malicioso, quase sempre fomentado entre nós mesmos, sob um estímulo original, a que sequer, grande parte das vezes, saberíamos identificar.

A clandestinidade, forçada por uma moral robusta, supostamente protegia por um lado, mas certamente abandonada por outro. Ao se tornar tabu, os assuntos eram praticamente impronunciáveis, embora as práticas fossem relativamente corriqueiras.

E este é o ponto a ser levantado não para, necessariamente, defender qualquer tese, mas para colocar uma questão para reflexão: em que momento
o risco foi maior, quando não se falava (e muito menos, mostrava) certas coisas, moralmente “repulsivas”, ou quando essas coisas são, descaradamente, expostas à luz?

Parece-me correto que, mesmo não perdendo a consciência ética sobre aquilo a que devemos enfrentar e combater, usemos a inteligência para, indiretamente, nos utilizarmos dos inimigos, como aliados.

E isso só se alcança, respeitando o fato de que o sucesso deles é resultado exatamente do mérito de terem sabido fazer de suas vítimas, seus aliados.

Ou seja, numa disputa por corações e mentes, estão anos-luz à frente dos que se propõem ser guardiões da moral e dos costumes. Têm faltado inteligência e ousadia nesse enfrentamento. Consequência aliás, muitas vezes, de um conservadorismo retrógrado, a que se agarram esses mesmos guardiões.

Em vez de repensar certos padrões, o fato é que, quanto mais avança o inimigo, mais agudizam suas crenças, e se distanciam de quem interessa. Se não quebrarmos esse ciclo, esta é uma guerra perdida.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com