Uma coisa que sempre me incomodou muito é quando alguém afirma que ‘esse não é o jeito certo’ de fazer algo. Por eu ser canhoto, desde que comecei a aprender a tocar instrumentos musicais, aos 12 anos de idade, muitos professores me disseram que a maneira na qual eu pegava no instrumento não era a certa.
Inclusive, fui proibido de aprender a tocar violoncelo no conservatório gratuito de uma igreja, pois “não existe canhoto em orquestra” - um fato que continua sendo um absurdo, na minha opinião. Sendo canhoto orgulhoso, não permiti que esses professores mudassem meu jeito. Porém, desisti de fazer aulas e continuei sendo “errado”.
Historicamente no universo musical, novos estilos que surgiam eram sempre subjugados pelos críticos e teóricos por serem “errados”, principalmente, no contexto racial, social e cultural. O jazz começou assim, o hip-hop, o rap e a música eletrônica, entre outros.
Não à toa, estes estilos foram os que mais inovaram nas últimas décadas, inclusive impulsionados pela evolução tecnológica. Com o fácil acesso a ferramentas de produção, cada vez mais, jovens mentes criativas vêm subvertendo regras e conquistando espaço entre grandes nomes da música. Alguns exemplos dessa transgressão musical instigada pela tecnologia incluem Steve Lacy que, aos 18 anos, produziu uma música para o rapper americano Kendrick Lamar usando um IPhone; aos 13 anos, Dj Kotim tinha três músicas nas paradas brasileiras produzidas no seu quarto.
Não me leve a mal, eu acho toda forma de aprendizado importante, mas quando ficamos presos a fórmulas e teorias, muitas vezes esquecemos ou até temos medo de explorar o caminho sinuoso, torto, o estranho. Principalmente nas artes, esse lugar estranho nos leva a resultados incríveis. Temos o exemplo do último vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original. Em 2022, Volker Bertelmann foi o ganhador com a trilha do filme “Nada novo no front”, em que o tema principal são três notas distorcidas, cheio de estranhezas e sons de madeira rangendo. Não temos aquele grande tema e melodia que se espera de uma orquestra hollywoodiana. Isso acontece porque o mercado musical tem a capacidade de se saturar em busca do sucesso e quando uma música se torna popular, ela vira o padrão de referência para outras e acabamos perdendo o interesse do que originalmente gostamos naquele som. Tudo parece plástico e sem originalidade, não tem voz própria. Mas nossos ouvidos anseiam por algo novo e inusitado.
Recentemente, uma matéria publicada no The New York Times abordou o tema do ensino musical. Sammy Miller, que é professor e baterista com indicação ao Grammy, fala que ao focar somente na parte teórica e praticar repetidamente um exercício para desenvolver técnica, crianças e jovens que estão empolgados nas primeiras semanas, logo abandonam as aulas. Ele afirma que música é uma forma de linguagem e ela deve ser ensinada como tal: sendo uma comunidade, compartilhando, errando, criando conexões. Os professores devem deixar as crianças desenvolverem as próprias vozes. Antes de tudo, a música precisa ser algo divertido.
Felipe Kim é diretor musical da Loud+