Os sete pecados capitais formam um grupo de vícios e transgressões humanas famosos na história de várias culturas milenares. São chamados assim, pois dão origem a outros pecados que em tese afastariam as pessoas de Deus. E são eles: Luxuria, Soberba, Preguiça, Inveja, Gula, Avareza e Ira. Se você vê alguma semelhança entre esses pecados e os conteúdos que mais dão audiência e engajamento nas redes socias, não é mera coincidência. Lembrei disso quando li no semanário português O Expresso um ótimo artigo sobre a comunicação escrito por Jonathan Haidt, psicólogo social da Universidade de Nova York. Babel é a metáfora para o mundo que vivemos, segundo Jonathan, após a intromissão de algumas redes sociais em grupos, nações e instituições importantes para a sociedade.
Para contextualizar: no livro Gênesis, é dito que os descentendes de Noé construíram uma grande cidade na terra de Sinar. E iniciaram a construção de uma torre grande, que chegasse até o céu. Segundo as escrituras, Deus ficou ofendido pela arrogância da humanidade e decidiu por amaldiçoar aquele pessoal. Cada um passaria a falar uma língua diferente. Não se entenderiam mais. A torre foi destruída e as pessoas ficaram a vaguear entre as ruínas, incapazes de se comunicar, pois cada um falava uma língua diferente, condenadas à incompreensão mútua. Na opinião do historiador, a nossa Torre de Babel caiu em 2010, com a entrada em cena dos algoritmos separando os universos e públicos. E oferecendo a esses públicos conteúdos responsáveis por fragmentar ainda mais o mundo que vivemos. Hoje somos incapazes de falar a mesma língua ou de reconhecer a mesma verdade. Estamos afastados uns dos outros e do passado, o que nos dá um certo medo do futuro. No artigo, ele aponta a Torre de Babel Moderna formada pelo auge da civilização em três pilares: capital social com extensas redes sociais com alto nível de confiança, instituições fortes e histórias compartilhadas. As redes sociais enfraqueceram essas três forças. E isso, não é de agora, mas a partir de 2009 quando as redes deixaram de ser inofensivas e buscaram a atenção e a audência (com o dinheiro da publicidade e das marcas) a qualquer custo. Hoje vagamos no meio de escombros de nossa torre e notamos cacos da verdade, restos de democracia e destroços de instituições que já foram o pilar do dia a dia de grande parte do mundo. E com um aviso: vem aí a inteligência artificial, que pode piorar muito a intensidade desse cenário, pois amplifica em larga escala a desinformação.
John ainda pergunta como saíremos dessa. Algumas possibilidades: a adoção de verificação do utilizador como condição prévia para obter a amplificação algorítmica que as redes sociais oferecem. Os bancos já fazem isso para evitar “clientes anônimos”. A ideia é que você até poderia postar com pseudônimos, mas que o utilizador deve ser humano real, num determinado país e com idade para usar a plataforma. Essa mudança eliminaria a maior parte das centenas de milhões de bots e de contas falsas que esgarçam a democracia. Também reduziria as ameaças de morte, violação, maldades racistas e trolls em geral. Seria um novo mundo, bem melhor. Já falei nesse espaço, em artigos anteriores, que se peças digitais hoje podem ser originais graças a arquivos não fungíveis, pessoas no digital também poderiam. Basta apenas as plataformas banirem os perfis falsos e bots. Outra sugestão que chamou a atenção vem da denunciante do Facebook, a ex-funcionária Frances Haugen, que é adepta de soluções simples e fáceis para a diminuição dessa má influência das redes. Ela sugere que a partir do segundo compartilhamento de um post, por exemplo, a terceira pessoa na cadeia precisaria perder tempo a copiar e colar o conteúdo numa nova publicação. Será que a preguiça pode nos salvar disso tudo que está aí?
Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
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