Na semana passada foi desbaratada mais uma ação de desrespeito ao ser humano ao se constatar o trabalho análogo à escravidão de 207 trabalhadores que foram “contratados” e “transportados” do Nordeste para o Sul do Brasil para a colheita de uvas.

O trabalho era para três vinícolas famosas, instaladas em Bento Gonçalves. Os gestores das vinícolas prontamente declararam não saber das condições que a terceirizada responsável pela contratação submetia esses trabalhadores.

Quer dizer que só a terceirizada é a vilã? Não é tão simples assim. Cada vez mais, as empresas conscientes devem se preocupar com toda e qualquer contratação, envolvendo também a cadeia de suprimentos e não só com a operação sob seu controle direto.

Lembremo-nos do famoso caso da Nike, acusada de ser conivente com o trabalho infantil, ao contratar um fornecedor chinês inescrupuloso. Mais recentemente foi a Zara, também acusada solidariamente pelo trabalho análogo à escravidão imposto por seus fornecedores asiáticos.

O ponto crucial aqui é: a empresa não pode declarar ignorância e jogar toda a culpa no “outro”. Ao adquirir um insumo de um terceiro, a empresa deve se certificar das condições com as quais aquele bem ou serviço foi gerado.

Mais do que isso, deve haver um processo de orientação e homologação eficaz para que o fornecedor se comprometa com a observância de práticas éticas e respeitosas com as pessoas e o meio ambiente. De uma maneira geral, temos a tendência de vilanizar o outro, sem antes julgarmos as próprias ações.

Ficamos possessos ao ver uma dona de casa desavisada lavar demoradamente sua calçada com uma mangueira jorrando água além do necessário. Mas quantos de nós nos preocupamos em tomar banhos mais curtos, em fechar a torneira nos intervalos de uso e otimizar a lavagem de roupas, por exemplo? Os errados são os outros...
Por outro lado, às vezes, embarcamos na onda de críticas fáceis, apontando o dedo inquisidor para o lado errado. O papel, por exemplo. É comum vermos assinaturas de e-mails com uma frase de alerta do tipo: “Não imprima e salve xx árvores.”

Desconhecimento total. Fake news, mesmo! No Brasil, 100% da produção de celulose e papel vêm de florestas plantadas especialmente para esse fim. Você não estará derrubando nenhuma árvore nativa ao usar o papel.

Seria o mesmo que dizer: “Não coma salada e salve xx alfaces”. Todos os dias, são plantadas no Brasil, em média, o equivalente a cerca de 500 campos de futebol de árvores para a produção de papel e outros produtos. O Brasil tem 7,8 milhões de hectares de florestas plantadas.

Além disso, o papel, depois de descartado, se degrada rapidamente, ao contrário do plástico e outros produtos derivados do petróleo, esses sim os verdadeiros vilões. E boa parte do descartado é reciclado. O Brasil é um dos maiores recicladores de papel do mundo, com 68% de recuperação. Portanto, a produção de papel é sustentável e não pode ser apontada como vilã.

Voltando à questão da contratação descuidada de fornecedores, é preciso levar em conta também se a pressão por preços exageradamente baixos ou outras condições leoninas – como prazos de pagamentos elásticos demais – não levam a uma reação em cadeia, prejudicando stakeholders. Uma visão mais moderna, do capitalismo consciente e dos princípios ESG, determina que a empresa procure relações ganha-ganha-ganha, procurando viabilizar seu negócio de uma forma respeitosa e equilibrada para todos.

Portanto, antes de julgar o “outro”, olhe-se no espelho e faça uma autocrítica. Um bom início de alinhamento de uma empresa aos princípios ESG, por exemplo, começa com um diagnóstico preciso. Devemos olhar para dentro, para nossos processos e ações, mas também para toda nossa cadeia de suprimentos. E aí ter a devida noção de quem são os verdadeiros vilões da história. Nem sempre são os “outros”.

Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br