Quando fiz 15 anos ganhei de meu pai uma Remington anos 1970 e com ela achei que mudaria o mundo, atacando as letras e ouvindo aquele som mecânico maravilhoso marcando a fita preta e vermelha no papel branco. Escrever em uma máquina dessas emite um som sério e formal, que no ritmo das palavras dá um certo transe. Ainda mais quando você cria uma história que minutos atrás sequer existia. Sou admirador das palavras e do poder que elas têm.

Se considerarmos que cada um de nós tem um mundo particular impactado pela comunicação, dá para dizer que não mudei o mundo, mas alguns milhões deles com as campanhas incentivando a vacinação, a favor da camisinha, contra o preconceito da Aids, contra a publicidade de cigarros, deixando empresas incríveis ainda mais fortes e conhecidas. As palavras têm muito poder. E ganhar a vida emendando uma na outra dá uma sensação muito boa.

Mas algumas palavras possuem um poder estranho. Quase um feitiço. Elas provocam reações extremadas, químicas inclusive.

Junto à fabula de Pedro e o Lobo e aos personagens do bicho-papão, do homem do saco, juntaram-se hoje outras palavras capazes de descer o disjuntor no cérebro de multidões. São as “palavras tagueadas”.

Ao ouvir a palavra tagueada, a pessoa para de pensar e aciona o modo sobrevivência que libera adrenalina, feromônios e cortisol, que acionam os mecanismos de nossa defesa pessoal.

Ou então despejam dopamina e nos satisfazem, sem necessariamente nos fazer pensar. Eis aí o ponto principal. Tenho receio de usar algumas palavras nesse texto para não provocar nenhuma dessas sensações.
Mas uma delas está aí há mais de 70 anos e ainda funciona muito: comunismo. Pronto, se instalou o pânico no texto. Donald Trump se elegeu com ela e tenta se reeleger ainda usando essa palavra. Mesmo que seu significado tenha perdido sentido no mundo real. Ninguém sabe direito o que é, mas odeia.

O truque é antigo, mas funciona muito. Elon Musk, que conseguiu dar ré em foguete e mudou a indústria automobilística global com veículos elétricos, já repete isso no Twitter (atual X).

Elon, que é um gênio da engenharia, mostrou que é um ser humano médio, repleto de fantasmas, facilmente controlado por palavras emocionais como “woke”, trans, comunista, imigrantes etc.

Confesso que a admiração que tinha por ele em levar a humanidade para outro planeta diminuiu, pois provavelmente o Trump seria o seu tipo de pessoa ideal que ele levaria nessa viagem.

A sua nova empreitada é processar grandes anunciantes americanos por não anunciarem no X. Mas, e a “liberdade de expressão”, Elon?

Outro termo, “o digital” é capaz de nos fazer parar de pensar completamente. Se usar esse tema, pode fazer tudo e qualquer restrição desaparece. Leis, por exemplo.

Exigir leis no digital já é sinal de ser contra a “liberdade de expressão”. Quem conseguiu essa proeza? Basta dizer que é digital e a realidade é suspensa e entramos num estado de aceitação de coisas ilegais, que não fazem sentido na realidade. Como por exemplo, a audiência simulada por robôs nas plataformas, as fraudes digitais que são quase sem punição, entre outros absurdos. Adoro as palavras, mas começo a desconfiar de algumas.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul