Anteriormente nesse mesmo espaço já ponderei sobre um fenômeno de nossos tempos, provocado pela comunicação, chamado pensamento mágico e como ele afeta o mundo atual. O assunto é tão interessante que pensei nessa continuidade, porém, comentando sobre as particularidades da nossa indústria da comunicação, que, afinal, financia (às vezes sem ter a intenção) a sua implementação em nossas vidas.

A figura imagética do flautista de Hamelin, vem sempre à cabeça quando penso no assunto. Na fábula, ele desratiza uma cidade inteira apenas tocando uma flauta que hipnotiza todos os ratos da cidade, que o seguem até um penhasco e, de lá, se jogam. Então, os habitantes da cidade não honram o pagamento e o flautista, para se vingar, decide hipnotizar as crianças. Todas elas seguem-no ao som da flauta. O final não conto. Vale a pena lê-la.

Somos o sopro, somos a flauta, somos a comunicação que molda o mundo e a realidade do dia a dia. Seja por conteúdo ou pela compra de audiência. Para o bem e para o mal e por isso não se pode ser distraído quanto a essa questão. É preciso ser vigilante, pois o pensamento mágico sempre quer destruir o status quo. Veja, não se trata de inovação e aprimoramento do que existe, mas de sua destruição para reconstruir e lucrar com o que virá depois. O penhasco. A própria publicidade ouviu o som lindo do flautista anos atrás quando se acreditava que as plataformas trariam métricas precisas e transparentes de retorno sobre investimento. E ainda hoje pouco se fala sobre robôs de audiência, sua quantidade real e o fato de que o orgânico é um fenômeno raro onde quase tudo virou mídia comprada. Sobre bolhas então... Anos atrás, algumas vozes importantes fizeram acreditar que qualquer pessoa com um celular na mão poderia fazer o que uma equipe de várias pessoas muito bem remuneradas numa agência de publicidade faziam.
E ainda fazem. Infelizmente, algumas grandes empresas de comunicação ficaram pelo caminho. Mas isso começa a mudar. Perto do penhasco, o nosso mercado começa a valorizar novamente agências que merecem esse reconhecimento. Algumas agências que tinham no máximo 200 pessoas, hoje passam de 500 ou 700 pessoas.

Uma agência integrada é bem valorizada pelos clientes, segundo o estudo da Scopen em 2023. Ou seja, pessoas muito bem remuneradas numa ótima agência de publicidade fazem coisas que um grupo até talentoso não consegue fazer fora dela. Os motivos são diversos. O que vemos é que uma ótima agência de publicidade é maior do que a soma de suas partes. É ainda o melhor lugar para esse tipo de atividade técnica e artística que envolve a responsabilidade de investimentos vultuosos, leitura da alma humana e a sobrevivência de negócios e marcas.

O tempo depura a realidade de fato, da vontade pessoal bem financiada. Coloca as coisas no lugar.  Quando abrimos a Tech&Soul ouvia de gente muito graduada e talentosa a afirmação de que agência de publicidade era coisa do passado. Na época, em 2017, a agência tinha sete funcionários apenas. Hoje, são 140 pessoas talentosas relevantes para as marcas com quem trabalhamos. As ótimas agências estão de volta. Nunca deixaram de estar, na verdade. As fazendas de seguidores, os algoritmos maliciosos, a monetização de veículos de comunicação que transmitem notícias falsas e ganham muito com isso ainda estão aí e vão continuar, porém, a sociedade já começa a entender o significado do toque da flauta e já consegue prestar atenção no penhasco que se avizinha logo ali na frente.

Flavio Waiteman é founder-CCO da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br