Este ano vimos nascer uma polêmica nova em torno da Black Friday. Deixando um pouco de lado a questão dos descontos falsos ou verdadeiros, o debate se voltou a uma questão, digamos, linguística.

Isso porque não se sabe com certeza o que motivou a data a ser chamada “Black Friday” – alguns afirmam que se originou de um evento de comércio de pessoas escravizadas que ocorria às sextas-feiras, quando aqueles que estavam mais debilitados eram vendidos por poucos tostões; outros especulam que as promoções da sexta-feira pós-Thanksgiving nos EUA eram usadas para deixar as contas no “black”, que em português dizemos “no azul”.

Nada disso, no entanto, pode se confirmar, já que nenhuma das etimologias” tem registro histórico.

Mas, voltando para o debate atual, creio que essa discussão vem do fato de que o mercado como um todo está sensível.

As empresas perceberam que usar a identidade étnico-racial negra pode ser positivo, melhorar a imagem da marca e até trazer algum lucro.

Há muitos “poréns” envolvidos na questão, entretanto.

A efetividade dessas manifestações, como trocar o nome da promoção para evitar a conotação racista, depende da percepção de quem consome, das pessoas protagonistas que gostam da marca, do produto, do serviço.

Alterar o nome de uma ação comercial global em função da data tem de ser algo pensado, responsável, que ajude a repensar toda a estrutura comercial de vendas e atendimento ao cliente.

Quem consome sabe quais empresas cultivam em suas equipes, em suas ações, em sua cultura, em seus produtos e serviços, o respeito e a valorização das pessoas negras, portanto, trocar o nome da ação não mudará as escolhas de consumo de quem sofre o racismo diário.

As atitudes que queremos são, sim, políticas afirmativas em relação a diversidade e igualdade, e algumas empresas já sabem disso, mas preferem tratar a questão como marketing.

O censo do IBGE mostra que 54% da população brasileira se autodeclara negra (pardos e pretos) e esse número vem aumentando significativamente.

Em paralelo, uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que a comunidade negra movimenta por ano R$ 1,7 trilhão.

Aqui é importante resgatar a fala do escritor, compositor e estudioso de culturas africanas Nei Lopes sobre o aumento da presença de negros na mídia: “tem mais a ver com consumo do que com representatividade”.

Realizar um processo inclusivo da diversidade é mudar toda uma cultura. No MDI – Programa de Capacitação Mestre de Diversidade Inclusiva – pesquisamos e atuamos para reduzir as barreiras e construir pontes, por isso acredito que não devemos nomear ações afirmativas como, por exemplo, o programa de trainee do Magazine Luiza, de “briga”, e sim de “restituição” porque não podemos esperar mais 132 anos para usufruir dos direitos humanos que temos enquanto cidadãos.

Então, quando perguntam sobre o consumidor negro estar mais exigente, digo que estamos cansados.

Não queremos mais nos adaptar a produtos e serviços, queremos que sejam pensados para nos atender, valorizando quem somos, nossa ancestralidade, nossas raízes, nossas crenças e toda a cultura que nos compõe.

Então produtos e serviços que nos consideram desde sua concepção com certeza precisam entender quem somos. Não é exigência, é direito.

Samanta Lopes é coordenadora MDI da um.a #DiversidadeCriativa, agência de live marketing (samanta@uma.ag)