Quem pensa que a polarização no Brasil acabou com a eleição presidencial em 2022 está muito enganado. De acordo com o relatório “Edelman Trust Barometer 2023 - Navegando por um mundo polarizado”, 78% dos brasileiros acreditam que o país está mais dividido do que no ano passado. Já a média global alcançou o índice de 53% entre 32 mil pessoas entrevistadas em 28 nações.
Provavelmente, todos os jovens que trabalham com publicidade já devem ter ouvido os mais velhos dizerem que está muito mais difícil criar campanhas hoje do que no passado. Não só pela atual complexidade da mídia, mas também porque as marcas têm de tomar muito cuidado com seus posicionamentos.
Do que adianta defender igualdade racial, de gênero, respeito à orientação sexual, inclusão de pessoas com deficiência e etarismo, se da porta para dentro as companhias não contratam minorias. Quando uma marca resolve abraçar uma causa, ela deve ser genuína. Os consumidores percebem quando se trata apenas de discurso. E em tempos de redes sociais, nem é preciso dizer que uma marca pode ser rapidamente cancelada.
O equilíbrio é a principal estratégia para posicionar marca e fazer propaganda em um momento tão complexo. “Não faz muito tempo, a recomendação era abraçar a ‘neutralidade’, muitas vezes, até omitir-se. Atualmente, em cima do muro é um não-lugar. Será necessário ao negócio (re)propor seu sentido para a sociedade, lastreado no propósito e por meio de uma ligação direta entre discurso, ação e impacto concreto”, orienta a professora Erlana Castro, da Fundação Dom Cabral (FDC).
Mas a complexidade do mundo atual não se resume só a uma marca posicionar-se verdadeiramente. Conforme o estudo da Edelman mostra, o mundo está polarizado. E não é só a política que divide a sociedade. Questões comportamentais ou ideológicas estão levantando muros entre conservadores e progressistas mais do que nunca.
Matéria nesta edição mostra a influência que a onda do capitalismo woke está exercendo nos Estados Unidos, levando lideranças globais a rever o peso de pautas ativistas na estratégia de marketing das marcas. Isso porque a agenda social passou a ser acusada de supostos exageros no policiamento de condutas e hipocrisia na defesa dos direitos das minorias.
“A importância de diversidade e inclusão é inegável. Mas as pessoas começaram a ameaçar empresas de cancelamento, caso elas não tomassem atitudes. A sociedade está farta disso, de problemas na família, no trabalho, na vizinhança”, observa José Mauro Nunes, da FGV Ebape. “Empresas existem para servir aos seus clientes e dar lucro. Se o ativismo começa a afetar diretamente a sua lucratividade, e a alienar os consumidores, isso é um problema. E está acontecendo”, completa o especialista.
Woke significa despertar em inglês, porém, ganhou um viés pejorativo. “Woke, no português, traduz como consciente, mas num viés pejorativo. O bordão americano ‘go woke, go broke’ ilustra uma polarização instalada entre as ideias de consciência e lucro, o que não é nada oportuno”, relata Erlana, da FDC.
Atentas à onda conservadora que cresce nos EUA, que também mira as práticas ESG, grandes marcas começam a fazer mudanças sutis em suas estratégias. O McDonald’s, por exemplo, retirou menções à sigla da área “Propósito & Impacto” em seu site nos Estados Unidos e renomeou algumas páginas. “ESG Approach & Progress” virou “Our Approach & Progress” e “Performance & ESG Reporting” mudou para “Goal Performance & Reporting”. Apesar das alterações, a rede garante o cumprimento de prom essas sociais e ambientais.
Especialistas acreditam que o respeito às pautas sociais e às diferenças não tem volta. Uma vez que as pessoas acreditam mais nas empresas do que nos governos, de fato não há espaços para retrocessos no mundo corporativo.
Frase: “A gente pensa que vai vir o inevitável e vem o inesperado. Ser realista é reconhecer o emergente, o que surge de repente, e saber se adaptar a isso.” (Fernando Henrique Cardoso, em “A soma e o resto - Um olhar sobre a vida aos 80 anos”)
Armando Ferrentini é publisher do propmark