As três leis da robótica de Asimov. “1ª lei: um robô não pode ferir um humano
ou permitir que um humano sofra algum mal; 2ª lei: os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; 3ª lei: um robô deve proteger a própria existência, desde que respeite a primeira lei”.
Os robôs ou bots estão por todos os lados. As leis de Asimov valem na ficção para máquinas humanoides que ainda não possuem essa autonomia, mas deveria valer também para as inteligências artificiais, que são um tipo de bots que já estão por todo o lado e moldam a nossa vida real. Hoje os bots são seres com personalidade, dizemos que são até maliciosos, possuem tom de voz, perfis nas redes. Vivem, para sempre, camuflados à espreita de tirarem algum proveito para quem os criou. Sem leis, nem auditagem, nem limites ou punição. Vivem como no Velho Oeste americano.
Por vezes, o bot assume imagem humana e suas opiniões influenciam multidões na vida real. A tecnologia é tão sofisticada que eles são capazes de imitar com semelhança o perfil de navegação de seres humanos. Não só roubam dados dos usuários, como também espalham desinformação, criam fraudes e abertamente forçam os debates públicos para o lado de quem os criou. E nós toleramos que todo esse esquema maléfico, esses jagunços pagos, ainda possa gerar muito lucro sem nenhuma responsabilidade para seus criadores ou para quem os tolera em seu quintal. Os robôs influenciam sua vida, mas, ao contrário de você e eu, eles não têm limites, vivem fora da lei e ajudam a cometer qualquer crime sem nenhum risco de punição. Nem para eles, nem para quem os criou e muito menos para quem tira proveito deles para fazer lucro. Nós não só aceitamos calados, como bonobos. Robôs não sabem o que é amor, mas amam espalhar o ódio. O ódio engaja mais do que qualquer outro sentimento. Robôs não promovem vídeos de gatinhos fofos. Robôs não atiram, mas milhares deles produzem bilhões de mensagens que ajudaram a armar o Brasil e formar uma “opinião nacional” com milhares de atiradores armados até os dentes. Vemos todos os dias o efeito dessa influência no aumento da violência a mão armada.
Robôs não têm desejo de compra, mas estão por trás de um mecanismo interruptivo e deselegante que lembra as pessoas sobre produtos que elas mencionaram, pesquisaram ou citaram um dia. Achamos ótimo eles chegarem atrasados e serem interruptivos e inconvenientes. Esse mal gosto ainda não é questionado. Os robôs não votam, mas adoram a democracia e sociedades desatentas com seus limites. Robôs adoram a palavra liberdade.
O digital é só uma dimensão a mais da vida real, como o é a profundidade, a largura e o comprimento. O digital é um layer ou dimensão a mais que nos impacta diretamente na nossa vida real. E se tem esse impacto real, precisaria responder às mesmas leis da vida real. Veja por exemplo Elon Musk, que pede um “desconto” para fechar o negócio com o Twitter. Ele estima até 20% de perfis fakes na plataforma. Acredito que ele foi o primeiro empresário relevante a questionar os bots. E precificá-los. E qual será a realidade dos números? E as outras plataformas? É 20% de dados falsos ou não confiáveis? É mais ou menos? Quem audita essa e outras plataformas? Eles mesmos se auditam? Jura? E aceitamos isso? Eles merecem confiança total sem questionamentos?
Até quando vamos olhar preocupados para a deterioração do mundo real, a partir do layer digital de nossa realidade, enquanto balançamos a cabeça para para cima e para baixo como autômatos?
Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br