Passei décadas tentando decifrar o Silvio Santos. Queria entender como alguém, que na minha imaturidade, achava tão simplório, podia conquistar tamanho sucesso, profissional e financeiramente, sem arredar um centímetro daquele mesmo modelo básico que adotou para lidar com o trabalho a vida inteira.

Eu, que tanto lia, tanto estudava, tanto escrevia, tanto me acreditava criativo, tanto era dado a reflexões profundas, que levavam a conclusões avaliadas, muitas vezes, como inteligentes e originais, era achatado na minha insignificância, ao admirar a desenvoltura e a segurança com que o apresentador desfilava gestos óbvios e expressões primárias, conquistando e confirmando, em cada ocasião, mais e mais audiência, que levava a mais e mais patrocinadores.

Então, me perguntava o que seria necessário para se tornar alguém assim, com essa gigantesca autoconfiança, no exercício de uma prática que, explícita e escandalosamente, dispensava qualquer formação cultural, qualquer base intelectual, qualquer leitura.

Assistia aos programas, escutava as musiquinhas, acompanhava as entrevistas, confesso que, em momentos, chocado com a pobreza melódica, com a pobreza dos versos, com a pobreza das perguntas, com a rasura daquele conteúdo, com a baixa expectativa que cercava todo aquele aparato audiovisual, efervescente e sustentado, ao vivo, durante horas infindas.

Os anos passavam e as mudanças se davam apenas do ponto de vista técnico, mas os conteúdos se mantinham pautados pelos mesmos propósitos do começo, que me atrevo a chamar, reduzidamente, de entretenimento popular elementar. Parecia tão fácil, era só ter cara de pau para falar abobrinhas e fazer perguntas bobas, nivelando tudo o tempo todo, por baixo.

Mas se parecia tão fácil, por que só ele conseguia? Chacrinha não pode ser comparado, porque era um personagem, inclusive paramentado como personagem.

Silvio Santos, não, ele levava para o trabalho, o modelo que desenvolvera para a vida. Um olhar absolutamente prático e desprovido de qualquer preconceito inútil para seus objetivos.

Confesso meu encantamento com a objetividade e a franqueza de seus comentários, fazendo em público elogios e críticas, como se estivesse numa reunião com subordinados.

Perguntava e respondia sem rodeios, se utilizando de um vocabulário restrito, precisamente sintonizado com o padrão de sua audiência.

Jamais transpareceu qualquer ambição fora desse mundo, que construiu para exercer o seu talento e faturar com ele.

Fez fortuna trabalhando muito, como apresentador e vendedor de seus produtos. Divertiu-se e divertiu a quem escolheu divertir.

Teve frieza e cintura para não virar vítima de armadilhas políticas. Sobrava nele o que falta a muitos de nós: independência e foco.

Tanto que repetia, com a habitual simplicidade, que se você tem uma ideia ou um plano, não fique perguntando o que os outros acham, apenas faça.

Era suficientemente livre para detectar a hipocrisia e não dar atenção ao que falassem ou deixassem de falar dele e de seu trabalho. Eu diria, depois de tanto tempo tentando decifrar Silvio Santos, que é impossível. Diria mais: é impossível ser Silvio Santos.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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