Kobe Briant e Stephen Curry colocaram a manobra “Step back” de três pontos em alta na NBA. “Step back” no basquete é quando você faz o marcador acreditar que você vai dar um passo à frente, mas na verdade você recua um passo, abre espaço e arremessa. Ultimamente o Barba, James Harden, elevou esse movimento ao estado da arte, fazendo isso num salto e ainda esbarrando no marcador antes do arremesso. Isso lhe dava os três pontos do arremesso, mais um ponto pela falta que levava nessa jogada. Quatro pontos com um passo atrás. É muito avanço com algo antinatural. Você arremessa para frente, mas com um movimento para trás.

O passo atrás, às vezes, pode ser o que falta para um grande avanço na carreira. Lembro disso a respeito da discussão sobre o trabalho presencial, virtual ou híbrido que está ocorrendo hoje em dia. Vai ser 4 por 1; 3 por 2, 24 por 48? O que é melhor para o funcionário. E para a agência? É muito complexo cravar sobre o que vai prevalecer, sobre o que é certo ou equivocado nessas escolhas. Porém, vale uma reflexão. Talvez agora seja um tempo importante para quem está nos primeiros anos de profissão para ter uma boa vantagem competitiva.

Explico: em 2006, estava diretor de criação da Master em Curitiba e era relativamente premiado, mesmo morando no interior do país e vindo de um mercado menor, mas muito charmoso como Portugal. Antes havia trabalhado em Lisboa por cinco anos na W/Portugal. Em Curitiba, tive o orgulho em conseguir o primeiro Leão de Rádio do Brasil para uma campanha antitabagista do Ministério da Saúde; um GP de Filme em NY;  One Show e várias outras distinções, mas havia uma inquietude intrínseca sobre a minha real capacidade em ser um ótimo profissional num mercado globalmente competitivo como São Paulo. Estava eu com essa autoprovocação, quando recebi um convite para trabalhar na agência Africa. Mas não como diretor de criação e sim como redator. Um “step back”. Aceitei esse passo atrás. Trabalhar com Nizan, Gordilho, Ana Castelo Branco, Joana, Peralta, Edu Martins, John, Dede Eyer e grande elenco seria um enorme desafio e, na verdade, foi uma superfaculdade! Como iniciei mais tarde na profissão, vim para São Paulo depois dos 30 e encarava esse movimento como um intensivo para entender alguns processos criativos que a minha vivência no interior de São Paulo, Lisboa e Curitiba ainda não havia me permitido entender.

Cheguei a São Paulo no dia 16 de janeiro de 2006 e, até 30 de dezembro daquele ano, frequentava a agência das 7h da manhã até as 11h da noite. Deixando claro: pela agência poderia chegar mais tarde e sair muito mais cedo, mas eu fazia isso, pois precisava daquele tempo e daquela proximidade para entender o porquê daqueles profissionais serem tão bons e com recursos criativos tão sofisticados. Minha busca era ser considerado um criativo confiável para a empresa e para os clientes e, de quebra, não frustrar a minha família, que simplesmente adorava morar em Curitiba e precisava agora mudar pra São Paulo.

Essa proximidade e generosidade dessas pessoas em ensinar foi fundamental para eu aprender rapidamente sobre critérios, ligar os pontos, contexto, briefing, pessoas etc. O resultado prático é que em seis meses fui promovido a diretor de criação, tive um aumento generoso e em um ano dezenas de roteiros que havia feito foram selecionados e produzidos. Vieram outras felicidades nos sete anos que trabalhei lá e muito mais aprendizado num ritmo bem mais ameno, com espaço de sobra para a família e amigos que fiz aqui em São Paulo.

Quem sou eu para dizer o que outros precisam fazer. Ainda mais uma geração genial que está chegando aí. Mas o modelo híbrido ajuda um pouco mais pessoas mais experientes. Pois já evoluíram e entenderam seu fluxo além de diminuir burocracias e deslocamentos desnecessários. Mas para quem deseja ser um criativo de nível global e está buscando entender e precisa adquirir craft, critério e excelência, a distância dificulta trocas. Muitas vezes um bate-papo presencial sobre uma ideia se torna uma oficina de roteiro ou direção de arte. Se ganha meses em algumas horas.

Essa atenção para o time que está se consolidando na carreira é uma oportunidade para acelerarem seu craft e excelência. Por isso os líderes das agências precisam estar também disponíveis na agência, colaborando para a cultura da empresa e da indústria. Passar adiante é tão importante quanto receber. É menos sobre o tempo que você vai “trabalhar” para tal agência presencialmente e mais sobre aquele lugar poder colaborar com você em aprendizado do ofício e o quanto isso vai acelerar a sua carreira. O presencial talvez seja um “step back” de vários pontos. Afinal não se avança sem pegar embalo.

Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br