Cerca de 25% dos beneficiários do Bolsa-família entregaram 3 bilhões de reais às casas de aposta (bets), em agosto. Cada um gastou em média cem reais, jogando. Mais ou menos 25 litros de leite.

Nada mais perverso do que dinheiro público, pago como socorro à miséria, virar combustível para manter a máfia da jogatina em atividade.

O fato é que o Brasil se rendeu a essa ordem que, seja com jogos, seja com religião, seja com coaching, tornou a enorme massa de pobres de dinheiro e
de pobres de espírito, doadores sistemáticos de malandros.

Mas os espertalhões exploradores não construíram essa realidade sinistra sozinhos. Ela é produto de um processo bem mais antigo, que vem alimentando e consolidando nas mentes a aceitação da primazia do dinheiro como único valor suficiente da vida.

Não importa como, não há objetivo mais importante em nossas existências do que obter dinheiro. Uma vez estabelecido esse conceito como verdade absoluta, cria-se a condição ideal para a manipulação dos incautos, gigantesca maioria.

Questões morais pesam pouco, quando as alternativas profissionais lícitas se mostram ineficazes para o acúmulo financeiro necessário para ser percebido como muito. Os mais receosos de serem flagrados praticando algum delito, recorrem à dilapidação do pouco que têm e se põem a apostar nas bets.

Os mais atrevidos recorrem ao crime, o que não deixa de ser também uma aposta – de tantos crimes praticados, quantos são punidos, enfim?

O contrabando, o transporte de drogas, o golpe pelo celular, o anúncio pelas redes sociais de jogos ilegais ou produtos que jamais serão entregues, a extorsão, a chantagem e o sequestro são inúmeras as oportunidades disponibilizadas para quem quiser fazer um bom dinheiro rápido.

Para os mais astutos e hábeis no poder de convencimento há chances extraordinárias, desde que deem uma boa atenção aos estudos necessários para a prática do negócio escolhido, seja a pastoragem neopentecostal ou a especialização nos escaninhos do mercado financeiro; em ambos os casos, o importante é saber vender a garantia dos milagres de prosperidade, negociados com Deus ou com o mercado.

Há, ainda, a política, carreira incomparável em potencial de enriquecimento. Para alguns, será necessário um certo sacrifício, caso ainda lhe reste um pingo de escrúpulo, pois deverá tratar de varrê-lo da consciência.

E pronto: se abrirão os portões do paraíso na Terra. Mas a política oferece também ocasião de fazer muito dinheiro com ela, ainda que do lado de fora.

Basta montar um negócio que forneça bens ou serviços demandados por órgãos públicos (melhor será, ainda, se for apenas um negócio de intermediação).

Uma boa relação com quem decide, azeitada por propinas irresistíveis, deve gerar vendas suficientes para alguém colocar-se em outro patamar econômico-financeiro em sua existência.

Pode parecer uma visão demasiadamente pessimista do momento. No entanto, se trata simplesmente da contingência estabelecida por um modelo de sucesso, repetidamente pregado e confortavelmente aceito pela sociedade: o dinheiro é tudo.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com