O brasileiro é Leão por natureza. Mata um por dia para escapar das mazelas que assolam o seu caminho. Quem não se lembra de João Grilo, de ‘O auto da compadecida’, de Ariano Suassuna? Sagaz e muito criativo, ele “faz o diabo” para aplacar sofrimentos - da fome às injustiças. E com alguma malandragem, é preciso reconhecer.
Mas inegável é que força, coragem e inventividade já nascem com esse povo, aliás, o mesmo que coloca o maior espetáculo da Terra na avenida. O nosso Carnaval deixa o mundo de queixo caído. Como diz o samba-enredo composto por Didi e Mestrinho para a União da Ilha em 1982, e já interpretado por Caetano Veloso, ‘O mundo inteiro espera, hoje é dia do riso chorar’.
O estado de êxtase faz isso. Arranca lágrimas de alegria, numa mistura de sentimentos. ‘Será que eu serei o dono dessa festa?’. A música que celebra a cultura brasileira não podia ter outra resposta. Sim. O Brasil é o dono dessa festa e da festa da criatividade global. No Cannes Lions 2025, nada diferente. Garras de fora, muitos Leões foram arrematados ao dia. Só que para celebrar a excelência da publicidade brasileira. No total, 107. Em 2004, 92. Meta batida.
O saldo da caçada deste ano inclui seis GPs. A Africa Creative abateu dois. Droga5, DM9, Artplan e GUT acertaram um cada. E teve o Dan Wieden Titanium Lions, um dos mais cobiçados do festival, em tiro certeiro da AlmapBBDO. A mira dos brasileiros nunca esteve tão afiada.
Com 18 Ouros, 35 Pratas e 47 Bronzes, o país “mais valente nessa luta do rochedo com o mar” comemora o título de País Criativo do Ano, inédito nos 72 anos de história do maior festival de publicidade do mundo, com direito a homenagem a Washington Olivetto, que ganhou o primeiro Leão de Ouro do Brasil, há 50 anos.
A comemoração evocou a alma carnavalesca que vive em cada brasileiro. Logo no primeiro dia do festival, em 16 de junho, um trio elétrico desfilou pela La Croisette, avenida à beira-mar de Cannes, endereço do Palais des Festivals et des Congrès. Teve gringo que não entendeu nada. Ao som do bloco carnavalesco de rua Acadêmicos do Baixo Augusta, os brasileiros cantaram e dançaram como se na avenida não houvesse “alguém mais feliz que eu”. A iniciativa da FilmBrazil - plataforma de internacionalização da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro) e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) - espalhou alegria a uma edição inesquecível do evento.
Foi a primeira vez que a Globo ancorou um painel, o ‘Brazil’s creative revolution: A bold new chapter powered by Globo’, com William Bonner, âncora e editor-chefe do ‘Jornal Nacional’; Maju Coutinho, âncora e apresentadora do ‘Fantástico’; Keka Morelle, chief creative officer (CCO) da Ogilvy para a América Latina e presidente do júri de Outdoor Lions; Anselmo Ramos, cofundador e creative chairman da GUT; e Sergio Gordilho, copresidente e chief creative officer (CCO) da Africa Creative.
Outro veículo armou tocaia para os Leões. Estreante, a TV Record cobriu o evento, que ainda reuniu brasileiros em inúmeras sessões da agenda. O festival apresentou mais de 150 horas de conteúdo gerado por cerca de 500 palestrantes. A publicidade mundial inscreveu 26.900 peças em 2025, ante os 26.753 cases do ano anterior, um avanço tímido, de aproximadamente 0,55%. Em 2024, o Brasil inscreveu 2.066 campanhas. Desde 1971, são 56 mil peças submetidas e 1.911 troféus.
Segundo país mais criativo do mundo, de acordo com o ranking global ‘Lions Creativity Report 2024’, atrás apenas dos Estados Unidos, o Brasil deve registrar um crescimento de R$ 85,7 bilhões em 2024 para R$ 92,5 bilhões em 2025, alta de 7,9% no aporte em publicidade, segundo a consultoria de pesquisa Warc, do grupo Ascential, que realiza o Cannes Lions. O avanço da fera é voraz. Aclamado, o Brasil não passou despercebido. Sim, é para comemorar os Leões laçados na unha, na raça. ‘É hoje’, o dia da alegria.
Frase
“Criar é sempre dar um jeito de sair de si” (Clarice Lispector).
Armando Ferrentini é publisher do propmark