Alguns dias atrás, em um papo entre amigas, o tema era sobre a difícil decisão que cabe a nós, mulheres, entre abandonar a carreira para criar filhos (claro, quando isso é uma opção) ou seguir na insana dupla jornada. Então, uma amiga citou Virginia Woolf: “uma mulher para escrever, precisa ter dinheiro e um quarto só seu”.

Eu, apesar do diploma em letras, não conhecia a frase, mas me tocou profundamente. É isso, é sobre isso, eu pensei; a danada da Virgínia já sabia disso há cem anos.

Quando meus filhos nasceram, há nove anos, eu achei que fosse enlouquecer. Nos primeiros meses, me pareceu totalmente inconcebível conciliar a maternidade com a produção audiovisual. Como vou filmar tendo um bebê? O que eu faria com as possíveis noturnas? Com os calls intermináveis? Essas perguntas pareciam impossíveis de serem respondidas. Logo, só havia uma saída: parar de trabalhar.

Começamos então, meu marido e eu, a elaborar o plano da minha aposentadoria e
os preparativos da minha nova profissão: mãe 24/7.  Apesar de parecer a única decisão possível, tinha algo dentro de mim que ia morrendo a cada passo que essa ideia se tornava mais real.

Ser produtora é boa parte do que sou. Produzir filmes tem sido a minha motivação e fonte de renda desde sempre. A produção me permitiu melhorar de vida, ter escolha, autonomia, e tudo isso era um lugar muito valioso para mim.  Meu trabalho e minha vida pessoal, antes da maternidade, eram entrelaçados de tal forma que deixar de produzir era um pouco deixar de existir (guardada as devidas proporções).

Um dia, já com o plano bem adiantado, me ligaram pedindo que eu fizesse uma reunião sobre um novo projeto. No momento da ligação, eu estava há 48 horas sem dormir e, não saberia dizer quando tinha sido minha última refeição. Mas, como era um pedido de alguém importante, fui.  Lembro-me de pensar “como vou conseguir chegar lá e falar de trabalho?”.

No dia seguinte, me arrumei e fui para o outro lado da cidade sem meus bebês. Eu me lembro que a reunião era sobre um projeto incrível que queriam saber se eu topava produzir. Passei uma tarde falando de produção, contando piada, sendo eu. No fim, agradeci o convite, contei que estava parando de trabalhar, que ia me dedicar à maternidade e fui embora.

No caminho de volta, algo meio mágico aconteceu; eu estava me sentindo bem! Bem como não me sentia fazia uns meses, bem em ter falado de trabalho, ter visto pessoas, e estar voltando para meus bebês, com saudade e alegria. Depois daquela reunião deu um clique dentro de mim: “esses bebês vão crescer, em 10 anos serão duas crianças cheias de amigos, escola, futebol, inglês e vida própria.

E eu?  Eu não quero ser uma pessoa amargurada porque deixou de fazer o que gosta e, principalmente, uma mulher que depende de um homem para viver, não por um tempo, mas para sempre”.

Essa ideia de tentar fazer acontecer a grande loucura que é maternar e produzir ao mesmo tempo não saía da minha cabeça e, aos poucos, fui tomando a decisão de não desistir. É claro que conto essa história do meu lugar de privilégio absoluto. Tenho um marido que me apoiou e um trabalho que me remunera o suficiente para contratar suporte. Mas, ainda assim, foi (e é) uma grande loucura conciliar tudo isso. Sets e deveres escolares, PPM’s e reunião de pais, a sensação de estar sempre atrasada, em dívida, sendo menos produtora ou menos mãe do que eu deveria.

Mas, sigo certa de que a minha profissão é, para além de algo que eu amo fazer, a minha independência.

O livro da Virginia Woolf, “Um teto todo seu”, é um belíssimo ensaio sobre como a diferença de gênero afeta o poder criativo/produtivo das mulheres, e defende que criatividade é liberdade e liberdade só é absoluta quando é você a dona do seu dinheiro e do seu teto.

Afinal, como ser brilhante sem a segurança que só o dinheiro traz? Eu conto essa história porque acredito muito na potência que mulheres de mãos dadas podem ter para construir cada vez mais uma rede que nos apoie e nos mantenha no mercado de trabalho.

Aquela reunião, me mostrou que eu só seria uma boa mãe se também pudesse ser independente. Por causa dela, eu encontrei mulheres incríveis na minha trajetória, que me apoiaram para que eu não desistisse, que me fizeram café numa manhã de trabalho, que muitas vezes começava sem que eu tivesse dormido à noite.

Quase uma década depois, do lugar de liderança que estou, a minha luta é para que cada mãe que eu possa levantar nesse mercado, eu levante. Meu desejo é que a gente possa exercer nossas profissões e nosso maternar de tal forma que, um dia, textos como esse não sejam mais necessários.

Marcella Feo é sócia e produtora-executiva da Mercuria