Com 25 anos de participação ativa no Cannes Lions, Valdir Bianchi prepara-se para uma experiência diferenciada no festival. Pela primeira vez, vai para a Riviera Francesa como jurado, integrando o time de avaliadores de Outdoor Lions. Sócio e vice-presidente de criação da Mood, Bianchi concorda que Cannes mudou drasticamente nas duas últimas décadas, mas continua considerando o evento como o principal para os representantes do mercado de comunicação e marketing – sobretudo os criativos. Para ele, participar como jurado lhe dará uma bagagem especial, principalmente em experiência e exemplos para mostrar para uma parte relevante de sua equipe: “essa garotada que está querendo cada vez mais aprender e fazer coisas novas”.

Experiência
Eu fui pra Cannes muito antes do que eu esperava. Em 1989, eu era bem jovem e Cannes ainda era só Film. O festival era uma delícia: você via dois dias de comerciais e aproveitava os outros cinco da semana. A maioria dos filmes ainda era em película e, no finalzinho, existiam alguns que já eram em projeção digital. Lembro também a primeira vez que teve Print, o que para mim foi surpreendente (a área de Press Lions foi inaugurada em 1993). Eu não fui para Cannes naquele ano, mas mesmo de longe foi algo muito bacana de ver. Eu tenho acompanhado de forma muito presente o festival. Nos últimos 20 anos, acredito ter ido para Cannes pelo menos em 15 ocasiões. E é incrível a evolução do evento nesse período.

Transformação
Cannes virou um grande negócio. E é claramente perceptível que, para o negócio de Cannes, quanto mais inscrições e mais prêmios eles distribuírem, é melhor. Mas, por outro lado, o festival possibilita uma série de novos experimentos, o que traz um lado muito positivo. Acho superbacana todas essas novas categorias. O problema é que, hoje, a maioria das agências tem que ser muito cirúrgicas em sua participação, especialmente pelos altos valores para se enviar os trabalhos. Com tantas opções, você tem que saber muito bem onde você dará seu tiro.

Imprevisibilidade
Este ano, se não me engano, Outdoor terá 16 jurados, vindos de 16 mercados diferentes do mundo. Mesmo com a globalização, as culturas são diferentes, assim como os critérios. Eu tenho o meu critério, mas o que vai decidir a premiação será o consenso entre a maioria. O bom é que as grandes ideias, aquelas que realmente se sobressaem, elas são muito facilmente defensáveis e geralmente se tornam unânimes. E grandes ideias geralmente já chegam vencedoras, independentemente da cultura ou de quem fez.

Critério
Meu critério é muito simples, desde quando eu comecei a trabalhar com propaganda: primeiro a ideia – diferenciada, inovadora – e depois como essa ideia foi executada. É muito simples e, para mim, é o principal.

Pluralidade
A área de Outdoor é realmente muito abrangente, mas subcategorias de Outdoor são muito bem definidas. Quando você está julgando um pôster 2D, o que tem que prevalecer é a avaliação de um pôster 2D. Ali, o jurado deve considerar a ideia daquele cartaz, qual foi sua ambientação e como ele impacta o observador daquela peça. Quando você vai para trabalhos de ambiente, por exemplo, aí sim você tem mais surpresas de aplicação – especialmente naquelas que envolvem tecnologia, a qual oferece uma série de novas possibilidades. Claro que há uma série de trabalhos inscritos em várias áreas e categorias diferentes, mas isso tem que ser avaliado caso a caso, por cada júri. Muitas vezes, uma mesma ideia pode ter um impacto de PR e de Outdoor ao mesmo tempo. Eu vou julgar Outdoor e, se ela for pertinente na categoria inscrita, ela será premiada em Outdoor – tendo ou não sido premiada em outras áreas.

Foco
O festival muda a forma, mas não muda o conteúdo. O mundo está se transformando constantemente, especialmente com essa garotada que entra no mercado agora já com outra cabeça e outra atitude. Mas a essência do festival ainda é baseada em boas ideias. E enquanto isso continuar, é o que vai prevalecer. E é a coisa que eu mais digo aqui para o pessoal mais jovem da criação: que às vezes, hoje em dia, você tem muita informação por aí. Com esse monte de sites falando de inovação, com novas ideias sendo divididas a cada instante, torna-se impossível acompanhar tudo. E se você tirar o dia todo só para ficar analisando esse material, vai faltar tempo. Acho que as pessoas têm que tirar um pouco o foco daquilo que as outras pessoas estão fazendo e ficar mais focado em pensar em ideias. Videocases, pranchas com tecnologia, no final tudo isso evapora. O que fica mesmo é uma grande ideia, independentemente de sua realização. Ideias simples, ideias poderosas, assim como foi em 1950, em 1980, hoje e daqui 50 anos.

Pressão
Eu não estou preocupado com o número de prêmios, mas sim em julgar bons trabalhos. O que me deixa empolgado é que eu já vi trabalhos muito bons vindos de agências brasileiras, com grandes chances de conquistar Leões. Porém, vou procurar ser o mais isento possível e me focar naquilo que é mais relevante dentro daquela categoria. Desconhecer as outras peças também torna precipitado adiantar qualquer resultado.

O Leão
Tudo que é raro tem mais valor. Se em 1989, que era só filme, eles distribuíam só 10, 12 Leões de ouro no total, eles tinham um valor muito alto e uma relevância muito forte. Hoje, não sei ao certo quantos Leões de ouro são distribuídos, mas obviamente é um número mais expressivo. Por outro lado, o mundo também cresceu muito, assim como o mercado e o número de agências. Se imaginarmos o número de agências que disputavam um prêmio em 1989, em apenas uma área, e o atual, com novas mídias e tantos outros fatores, esse aumento no número de prêmios faz sentido. E eu não vejo problema nisso não! Eles podem continuar dando Leões que o criativo vai continuar gostando.

Copa
Já fui para Cannes em meio a várias Copas do Mundo. Fui na da França (1998), na do Japão (2002), na da Alemanha (2006), e nunca vi grandes impactos no festival. Geralmente, os jogos acontecem à noite, quando as pessoas não estão mais no Palais – nem julgando, nem assistindo às palestras. Acredito que as pessoas vão se reunir nos bares para beber, comemorar as vitórias, sair pela rua, como acontece em qualquer outro lugar. Mas não acredito em grandes impactos, nem lá, nem aqui no Brasil. Acredito que se não houver um grande número de delegados brasileiros este ano, não será exatamente por causa da Copa, mas porque o país não vive um bom momento econômico. É um momento em que empresários e empresas estão em observação e o fator eleição, por exemplo, deve impactar muito mais do que a Copa. Copa do Mundo dura um mês, e Cannes apenas uma semana, no começo do torneio. Além disso, não vejo problema em alguém que estiver aqui, trabalhando com um cliente que tenha ligação totalmente efetiva na Copa, ir para Cannes, ficar lá quatro ou cinco dias e voltar.

Contato com o júri
Nós já tivemos um primeiro contato entre o presidente do júri (José Miguel Sokoloff, cochairman e CCO da Lowe SSP3 Colômbia) e os demais jurados por e-mail. Não conheço nenhum jurado pessoalmente, mas não vejo problema nenhum nisso, pelo contrário: vou conhecer novas pessoas, de diferentes agências e diferentes culturas. Já conversei com o Sokoloff, mas ainda não houve qualquer direcionamento, até porque, ao contrário de algumas outras áreas, onde há uma pré-avaliação, o julgamento de Outdoor só acontece lá, presencialmente.

Bagagem
Uma das características que diferencia a Mood de outras agências é ser uma agência de ideias. É claro que atualmente muitas agências fazem esse discurso, mas aqui, verdadeiramente, a gente prega o conceito de resolver o problema do cliente, aquela coisa de “barriga no balcão”, encontrando uma solução, independentemente da mídia. O Festival de Cannes hoje é muito isso, ele premia isso. Dentro da categoria Outdoor mesmo, por ser muito abrangente e disruptiva – já que quase tudo pode ser outdoor –, isso é muito presente. E essa imersão na categoria, participar desse julgamento e do evento dessa nova forma, vai me permitir ter uma experiência diferenciada e trazê-la para os criativos da agência, especialmente essa garotada que está querendo aprender e fazer coisas novas.

Além
Eu sou do interior de São Paulo e não mudei minha vida desde que vim para a capital. Gosto de ficar em casa curtindo minha família, minhas cachorras e de fazer outras coisas além da propaganda. Não gosto de falar de propaganda no fim de semana. A maioria dos meus amigos não é publicitário, graças a Deus! (risos). Eu sou duas pessoas: uma de segunda a sexta, profissionalmente, e outra de sábado e domingo, fora desse mundo. No geral, sou “regular people”, como dizem os americanos.